16.5.12

Conversa puxa conversa

O escritor moçambicano Mia Couto esteve em Évora na semana passada. Foi uma visita um pouco inesperada, apesar de se saber que o Autor está em Portugal para promover o seu último romance «A Confissão da leoa». Sabe-o uma elite de amantes da literatura, claro, já que nem todos, mesmo gostando de ler, têm de ser adeptos quer de ficção, quer mesmo deste Autor em particular. Não poderão é queixar-se de que ninguém os dá a conhecer.
A sessão que aconteceu na cidade graças à Biblioteca Pública foi divulgada pelos habituais meios e a sala encheu-se até se esgotarem os lugares sentados. Tive o privilégio de desbloquear a conversa, que é o que chamo a esta espécie de apresentação que tem dois constrangimentos: primeiro, quem lá vai é porque conhece o autor e, como tal, não precisa que lhe desfiem biografias que estão disponíveis em qualquer badana de um livro seu; segundo, se o livro de que se fala ainda está por ler, ninguém quer retirar ou ver-se privado do prazer que é ler pela primeira vez um texto de um autor de que se gosta.  
Há muito tempo que não me via neste contacto com os livros e nesta atividade da promoção da leitura que tem sido a minha, até entrar para o mundo da política, e foi por isso sobretudo um prazer. A novidade foi o facto de conhecer muito mais gente agora do que há dois anos e meio atrás e saber que também, em princípio, essas pessoas gostam de ler, de livros e do Mia Couto. E como eu gostei de rever os meus amigos dos livros e de ver como se sentiram à vontade para fazer perguntas, dar opiniões e lançar desafios ao autor.
O autor também foi como eu esperava que fosse, até porque não tendo sido a primeira vez que o vi e ouvi ao vivo (a primeira foi quando ganhou em 1999 o prémio Vergilio Ferreira atribuído pela Universidade de Évora) o tempo e a fama poderiam tê-lo modificado. Mas não, e ainda bem, porque como ele próprio me disse em jeito de agradecimento por eu ter lido dois excertos do romance, quando o autor se vê mais importante que a sua obra algo está profundamente errado.
O que de facto me surpreendeu neste encontro com o autor, que era ao mesmo tempo um lançamento de livro, foi uma certa timidez do público que, tendo acorrido em tão grande número, parece ter ido mesmo mais para ouvir do que para matar alguma curiosidade mais pessoal. Tê-lo-ão feito, se calhar, enquanto davam o seu exemplar a assinar já na sessão de autógrafos…
E esta minha constatação deu-me o mote para incluir no rol de perguntas que normalmente tenho para fazer, não em público mas em voz baixa, aos autores, e que é sobre os diferentes comportamentos dos seus leitores em diversas lugares ou circunstancias. Eu cá se fosse escritora acho que isso diria muito não só dos meus leitores como dos meus livros… Se calhar penso nisto agora, habituada a que estou já ao constante escrutínio a que, a propósito de qualquer coisa que diga ou faça, estou sujeita. Mas também acho que, tal como um autor se mantém fiel ao seu próprio estilo e aos seus leitores, há que ouvir as vozes e ignorar os ruídos ou, no caso do Mia Couto, o quase silencio daquela pequena multidão de fãs que continuou a deixar nas mãos do “seu” autor todas as despesas da sessão, continuando ali naquele encontro com os leitores a tarefa de comandar o rumo da história. É que foi mesmo interessante, nos momentos de diálogo, ver como “a conversa puxa conversa” e se dizem coisas divertidas, sérias, sentidas e inéditas. Fico muito contente quando a pessoa-autor corresponde à qualidade dos seus escritos e, daquela noite na Biblioteca Pública de Évora acho que ninguém poderá dizer o contrário.