2.5.12

Entre marido e mulher não metas a colher

Por muito estranho que pareça, quando pensava no assunto para esta crónica, e querendo referir-me ao 25 de Abril não conseguia deixar de pensar no artigo da revista Visão, de que li apenas o título e as linhas online, e que apresentava da biografia de Otelo Saraiva de Carvalho, a aparente confissão de bigamia por parte do Capitão de Abril. Ao meu pensamento juntou-se uma reportagem que, a propósito das eleições presidenciais em França, apresentava um especialista em comunicação a falar do casamento de Sarkozy com a Carla Bruni como um facto importante na vida pública do Presidente da República francesa. Confesso que só me veio à cabeça um dos provérbios mais conhecidos que diz que entre marido e mulher não se deve “meter a colher”. E devo dizer que afinal ainda me fazia todo o sentido falar do 25 de Abril.

Se em Portugal a Revolução foi pacífica e se a Democracia se tem vindo a construir ao longo destes quase 40 anos sobretudo em torno de questões efetivamente políticas e sociais, mesmo quando agora parecemos estar a ser geridos por gestores de falência mais do que por políticos, apesar de eu também achar que esta poderá sempre ser uma nova e estranha forma de fazer política, estas questões pessoais e domésticas têm conseguido ficar relativamente ausentes do espaço público. Há sempre, enfim, aqueles rumores sobre a orientação sexual de alguns políticos, mas felizmente não passam do timing próprio e apropriado da piadola de taberna que serve para quebrar o silêncio entre quem nada mais tem para dizer e fazer entre dois copitos de tintol.

Quando a uma semana das comemorações da Revolução e do Dia da Liberdade surge esta notícia, até ver não desmentida ao que é natural já que consta de biografia aparentemente oficial, mais do que ficar chocada com a oportunidade que uma revista como a Visão apesar de tudo agarrou, foi com o facto de o Otelo ter querido revelar a sua vida íntima num livro que fiquei chocada. Raio de maneira de permanecer à tona na vida pública! Foi esta a evolução da personagem principal da revolução? Serve a quem esta revelação? 25 de abril de 2012, dia e ano da revelação de Otelo…

Já o caso Sarkozi-Bruni mostra o que é o pouco lado político de um político ativo, de alguém de quem se espera, ou devia esperar no meu entender, que seja muito mais o político do que o marido (invejado) de alguma vedeta. Não enveredo aqui pelo lado feminista que poderá, com legitimidade, ver, e condenar por isso, a mulher como “enfeite” da vida pública do seu marido. Bem sei que o protocolo de figuras de estado e poder também afeta a vida familiar e tantas vezes obriga, ou pelo menos recomenda, que primeiras-damas e consortes, apareçam em cerimónias públicas, mas daí a que terceiros venham afirmar que por se ter casado com aquela pessoa o Presidente da República francesa esteja uma muito melhor pessoa interessa a quem? Ok, claro que sabemos que o cor-de-rosa desta história pode ganhar adeptos e adeptas em período eleitoral, tal como o escandaloso da história de Otelo, onde aliás se emprega abusivamente a palavra bigamia, só pode enterrar mais a figura pública que para tal até se pôs a jeito. Mas é tudo tão rasteirinho, tão mesquinho e tão pouco importante para aquilo que se deve esperar de um político! É que não estamos a falar sequer dos chamados vícios privados, mas de vidas normais que decorrem harmoniosamente para quem as vive, por muito que sejam extraordinárias ou estranhas para alguns, se calhar a maioria, dos comuns mortais.

A configuração de um Estado democrático, que a Revolução de Abril nos permitiu, incluiu um aproximar das figuras públicas ao cidadão anónimo já que ao eleitor é pedido que escolha um eleito que conheça o melhor possível e que, transformado numa figura para além do escrutínio pelo voto, também o é como figura pública na opinião que dele fazem pelos comportamentos que devem ser exemplares. Qualquer sobre- ou subvalorização da sua figura pela atitude pública ou pela proposta política pode e deve ter reflexos na opinião que dele ou dela se passará a ter. Mas com a vida privada e mesmo íntima? Só me lembram os versos da canção «Portugal, Portugal» do Jorge Palma : «Fizeste cegos de quem olhos tinha/ Quiseste pôr toda a gente na linha (…)  Difamaste quem verdades dizia/Confundiste amor com pornografia».