29.11.11

Fui a casa da minha vizinha, envergonhei-me; vim para a minha e governei-me

Cada vez estou mais convencida de que os problemas quotidianos que se colocam e se propõem ser resolvidos ao nível das chamadas políticas de proximidade, como são as exercidas pelo poder local, tantas vezes, diria mesmo na esmagadora maioria das vezes, são casos de má vizinhança. Podemos até chamar-lhe falta de sentido de cidadania, incivilidade, mas pela quantidade de vezes que os problemas surgem entre gente que até preenche estes, ou parte destes, requisitos, leva-me a pensar que é mesmo a má relação de vizinhança que estraga tudo. Também é certo que uma boa educação, e falo no sentido não frívolo das boas maneiras, apesar de com essas também se evitar muito conflito, mas sim numa educação para valores éticos, permitem a convivência em sociedade. 

A este propósito encontrei um ditado popular, quase narrativo, que diz assim: «Fui a casa da minha vizinha, envergonhei-me; vim para a minha e governei-me». Esta minúscula história de vida, deixou-me cheia de curiosidade. O que diabo se vai fazer a casa de uma vizinha que nos deixe envergonhado e nos impele a realizarmos nós mesmos tal tarefa? Deixando de lado as brejeirices que reconhecemos ao gosto popular, muito mais do anedotário do que do provérbio da voz do povo, esta lição refere-se a quê? Dirige-se a quem? Um mistério que nem pretendo resolver, mas que me permite, ainda assim, tecer algumas considerações sobre isto da “vizinhança”.

Como em quase todos estes textos, ainda que formas simples, os sentidos são plurais e as interpretações podem multiplicar-se com a mesma legitimidade com que se avançam argumentos. A mim agrada-me pensar que a ida a casa da vizinha poderia ter origem, ou dar origem, a alguma situação conflituosa e que o confronto com as circunstâncias de atuação ou situação do outro, a vizinha neste caso, teria impedido que o “eu” do provérbio se travasse de razões logo ali, adiando-se ou melhor, resolvendo-se também logo ali o problema. São tantas as circunstâncias em que, sem sopesar factos e argumentos, se parte logo para o conflito e para impor o seu fim sempre às custas do outro, ou, como não raras vezes, a quem tenha de vir de fora resolver a questiúncula governando as partes em conflito, que o final feliz deste provérbio leva-me a elegê-lo para o meu Top Ten de máximas e sentenças.

Acho este provérbio uma lição da vida em comunidade, em que as relações se tornam possíveis porque cada um, mesmo com o vizinho ali ao lado para o bem ou para o mal, se governa num sentido positivo, já que a vergonha normalmente implica que se reencontre um bom caminho, distinto do que se tomava antes.

Estas viagens de ida e volta, entre a minha casa e a do vizinho, parecem levar o tempo necessário para refletir, ponderar posições e encontrar soluções. Uma verdadeira auto-mediação que releva do mais alto sentido de responsabilidade de quem conclui que procurar primeiro em si a resolução de conflitos, não só nos impede de nos envergonharmos perante os outros, mas sobretudo perante nós mesmos, como nos permitirá, mais cedo ou mais tarde, impormo-nos regras de conduta que só servirão de exemplo a quem se deslocar à nossa casa e decida comportar-se de igual forma. Pense-se nisto a outras escalas e veja-se como teríamos todos mais momentos na vida para sermos felizes, ou pelo menos não tão infelizes, já que como se sabe os tempos não vão permitindo muitos contentamentos.