7.12.11

Mais do que o dado, vale a maneira de o dar

Nunca aqui, no espaço destas crónicas, me tenho referido de forma direta a pessoas individualmente. Mas hoje vou fazê-lo, falando do Mestre João Cutileiro, um pouco nos mesmos termos com que a ele me dirigi no passado dia 25 quando da sessão solene comemorativa dos 25 anos de Évora Património Mundial. Fi-lo a propósito da sua oferta à Câmara Municipal, e à Cidade portanto, da conceção da medalha também comemorativa da efeméride. E, na lógica que também tem pautado estas minhas crónicas, o provérbio que achei, o mais pertinente pela forma como todo o processo decorreu, diz assim: «Mais do que o dado, vale a maneira de o dar». Não que ache que a medalha não vale. Para mim vale, também esteticamente. Mas porque sei que não é numa medalha que cabe e se acaba a obra de um Mestre. Também sei que os elogios a alguém também não se acabam nas palavras que sobre esse alguém são ditas. Aliás, já Shakespeare disse uma vez «falais baixo se falais de amor», numa clara alusão ao pouco alcance das palavras na expressão de sentimentos mais nobres.

Se o Centro Histórico de Évora é há 25 anos, oficialmente, Património da Humanidade, Évora já era e será sempre a Cidade de João Cutileiro. Falar de Évora obriga-nos sempre a falar do Mestre. E eu gosto disso. Cutileiro, entre mulheres, árvores e cavalos, esculpe na pedra e alinha na folha o perfil da Cidade onde, sem ornamento inútil de sinalética, reconhecemos de imediato Évora. Podia até não sê-lo, num trocar de voltas com que o seu espírito brincalhão, certeiro e não menos das vezes acutilante – o nome também o moldou - tantas vezes nos desafia. Mas o seu traço evoca imediatamente esse lugar, e é por isso que um não pode viver sem o outro.

Pedir a João Cutileiro que oferecesse a Évora por altura deste aniversário a medalha comemorativa pareceu-me natural e foi sem espanto que o sim chegou de imediato, acompanhado de uma condição também ela natural – que a medalha assentasse em cubo de pedra, pois claro! Também seria natural, mas correríamos sempre o risco de uma surpresa, que fosse redonda. Quem melhor do que ele para arredondar as coisas que saem das suas mãos? Faltava ainda ver o que nela esculpiria. Foi por isso emocionante ver no molde cor de tijolo a figura do cavaleiro, e perceber que a lenda deste homem intrépido, ainda que como qualquer figura de ficção com uma conduta pejada de detalhes obscuros, o Geraldo, vindo de fora para aqui tentar a sua sorte e acabando por ajudar à reconquista do território, permanece uma personagem inspiradora. Na medalha de João Cutileiro podemos ler ainda, e misturando a numeração romana com o alfabeto, “dois mil anos de história”, numa referência tão fina como o traço de Cutileiro aos tempos anteriores mesmo à Liberalitas Julia.

Se Évora é há 25 anos património mundial, Évora enquanto inspiração é intemporal. E tal como a obra de arte, pelo tempo que permanece se transforma em obra-prima, a relação de Évora com o Escultor sê-lo-á por mais de 2000 anos de história do Futuro, e muito para além da medalha. Mas esta é uma marca deste ano, nesta história de João Cutileiro e de Évora.