2.11.11

A calma é uma virtude que não vem da indiferença

Antevêem-se tempos conturbados. A indignação começou a tocar aqueles que, mais ensimesmados, resmungavam vagamente contra um generalizado estado das coisas. Eram tantas as de que se queixavam, e tocavam tantas áreas, que seria difícil canalizar todas as forças necessárias para um objectivo mais concreto e facilmente defensável. Parecia até pouco credível que, continuando o mundo a funcionar, estivesse tudo assim tão mal. Dizemo-lo, nós, agora.

Há dias cruzei-me com um bom homem na cidade, participativo em associações lá do bairro dele. Quando o conheci, há coisa de 2 anos, já reivindicativo, apetecia-me dizer que quase naturalmente reivindicativo, as queixas que fazia, iam sendo desfiadas de forma ténue, mais em sinal de apelo à boa vontade e à colaboração. Mas, no outro dia em que o encontrei, dizia-me: «Estávamos tão bem! No que nos fomos meter!»

Desconheço as opções políticas do senhor ou o seu sentido de voto. O que sinto nele é um profundo respeito e uma completa incorporação do espírito democrático que o leva a incluir-se num colectivo que, quando teve a sua oportunidade para escolher o fez, assumindo a escolha desse colectivo como sendo sua também. Pela sua idade, sei que viveu grande parte da vida em ditadura e terá, eventualmente, vivido com alguma euforia a chegada da democracia. Já uma vez, aliás, em discussão de amigos, ouvi alguém mais novo (pouco mais velho que a democracia portuguesa), com claras orientações de esquerda, vociferar contra um PM de direita, em final de mandato, e acrescentando que aquele não teria o seu voto outra vez. Olhámo-lo estupefactos e ele, entendendo o nosso espanto, lá “desceu” da sua encarnação democrática e disse: «Ah! é verdade, eu não votei nele!».  

A calma daquele senhor com que me cruzei há dias, ao pronunciar aquelas palavras de tom sereno, não foi, pois, a de quem assiste indiferente ao rumo do seu país. «A calma» como diz o Povo «é uma virtude que não vem da indiferença», e acrescento eu que a calma pode ser a reacção de quem tudo fez para evitar que chegássemos onde chegámos. Sendo assim, quando a perdemos, a esta calma, quererá dizer o quê? Talvez queira dizer que já não vamos em conversas e medidas populistas, que apenas servem para mascarar culpas não assumidas; talvez queira dizer que não suportamos que cada vez que alguns chegam ao poder arrasem tudo o que foi feito por quem lá esteve antes, com desculpas que não os ilibam de quando já foram também “tetra-governo”. É que ao fim de 37 anos começamos a reconhecer padrões e a não suportar determinadas desculpas, sendo que a calma, mesmo virtuosa, pode dar lugar à insurgência de quem vê, ouve e lê e não pode ignorar. Há que, apenas, começar a acontecer que mais vejam, oiçam e leiam, e a calma talvez não dure.