25.10.11

Sonhar com…

Dizem-me que a esperança é a última a morrer, mas a mim, funcionária pública portuguesa hoje, parece-me que ela pode moribundar durante muito tempo, o que é uma forma de morrer devagar, tão de vagar que às vezes a esperança não sobrevive ao tempo de vida de quem a podia sentir. Uma espécie de coma do qual se acordará, eventualmente, quando o passado já não é recuperável e o futuro é demasiado curto mesmo para ser futuro.

Já há pelo menos 35 anos que oiço anunciar-se ciclicamente momentos de contenção e austeridade. Acho que o ouvi tantas vezes, numa família que sempre teve uma estabilidade económica razoável, fruto de trabalho e poupança, mas também conseguida em alguns casos na participação activa em causas políticas que reclamando para um colectivo se fizeram lutas e se conquistaram direitos de que viemos a usufruir. Ouvi-o tantas vezes que os esforços me pareceram sempre mais pequenos e os períodos de contenção não me chegaram a marcar. Antes de ouvir um «não pode ser», eu já sabia que teria de encontrar uma solução e esperar por melhores dias que, de uma forma ou de outra, lá foram chegando.

Não sei como hei-de dar esperança aos meus filhos adolescentes que se aproximam do fim da escolaridade obrigatória com objectivos cumpridos. Agora que já lhes expliquei como as coisas que já não estavam fáceis nos últimos dois anos, vão ficar rapidamente mesmo muito mais difíceis; que o que costumavam poupar para gastar no que considerávamos pequenos luxos, vai ter de servir para o que é básico e necessário para se viver, e que qualquer semelhança entre as oportunidades que eu tive enquanto estudante e que me permitiram alcançar o nível de vida que temos, não são oportunidades mas obrigações para eles mesmos poderem criar as suas próprias oportunidades, com muito trabalho e sorte à mistura.  
E quando me perguntarem porquê, eu vou ter que falar não apenas daquilo que eles vão ouvindo nas notícias e nos comentários, mas em casos de pessoas e situações que eles tinham como honestas e que em tanto contribuíram, afinal, para que chegássemos aqui: as pessoas que nos vendiam afectuosamente o seu trabalho e os seus produtos e não declaravam ao Estado aquilo que lhes pagávamos; as que pagavam mensalidades mais reduzidas que nós no colégio, mas afinal até tinham mordomias que eles invejavam; as que justificavam faltas e incumprimentos dos seus colegas com razões que eles sabiam não ser verdade; e outras de que não vale a pena aqui desfiar o rosário, e que a pouco e pouco foram contribuindo para que o Estado desconfiasse tanto de nós.

Não espero contestação por uma mesada maior, nem sequer um protesto por um corte na que já têm, e com a qual se vão amanhando melhor que muitos outros. Espero alguma tristeza, espero alguma desilusão, porque também eu assim estou. Sei que vão pensar que assim, à custa deles, vai ser mais fácil suportar a crise, mas que não o vão dizer porque sabem que lá em casa e no meu trabalho o que faço é com as pessoas e não contra as pessoas, sem lhes criar expectativas ou perspectivas que não se podem realizar, nem fazê-las acreditar que faço para elas colocando-as à espera que o faça em vez delas. Mas não vai ser fácil.

Eu queria era sonhar com figos e com chaves, já que o povo também diz que quando se sonha com figos é sinal de dinheiro e com chaves de dinheiro enterrado. E vou deixando as aranhas que aparecem circular à vontade.