21.4.11

O Encanto do 25 de Abril (crónica da Rádio Diana, 19.04.2011)

As comemorações do Dia da Liberdade em Portugal já foram alvo de alguma inquietação quando há uns anos atrás, em 2004, se propunha festejar a data com o slogan da Evolução em vez da mais literal referência à Revolução. O dedo era aí apontado à direita, estavam o PSD e o CDS no governo. Recordo o pequeno texto humorístico (e porque o humor, inteligente, é sempre um bom contributo para levarmos as coisas a sério e revelam normalmente uma distanciação saudável do objecto de humor), o comentário que Ricardo Araújo Pereira publicou no blog dos Gato Fedorento e que dizia: «Não me surpreenderei se a revolução for perdendo letras todos os anos. Este ano, caiu o “r” (ou, para o ministro Morais Sarmento, mentor da ideia, o “g”). Ficou “evolução”, porque a palavra “revolução” maça a direita. Mas “evolução” também não me parece consensual. Os católicos criacionistas, por exemplo, nunca foram à bola com a evolução. Para eles, o 25 de Abril foi certamente criado por Deus. Mais: eles levam a mal que se lhes diga que as coisas são produto de um processo evolutivo. Já com aquela história dos macacos ficaram muito indispostos. Mais vale tirar o “e”. Para o ano, será: “Abril é volução”. É um bocado estranho, mas faz tanto sentido como o slogan deste ano. (…) E Outubro será, ao que tudo indica, implantação da Epública.»

Passados sete anos assistimos a Otelo Saraiva de Carvalho a afirmar: ”Se soubesse como o país ia ficar, no estado em que está, não fazia a Revolução”. Parece-me grave esta espécie de negação da História, ainda que feita em discurso na primeira pessoa por um dos que ajudaram a fazer a Revolução e é, nacional e internacionalmente, um símbolo desse momento em que à Democracia e a Portugal é dada uma oportunidade de modo de vida.

Este desabafo de Otelo vem novamente remeter o assunto para um tema tão caro aos Portugueses: o da culpa. E neste caso a culpa de um desencanto que, a avaliar pelo estado das coisas, parece resultar de um encantamento que tem durado estes últimos 37 anos. Ao mesmo tempo que acabo por perceber Otelo, quase infligindo-se a culpa, não posso deixar de lhe apontar o dedo pois, mais do que a desilusão, me parece ser o medo que o faz falar. O medo de ver determinadas conquistas de Abril em perigo, como o acesso à Saúde e à Educação para todos. Parece-me que esta atitude derrotista de Otelo, e ainda que para os que só há coisa de uma década começaram a poder exercer o direito de voto ele não seja uma figura que se constitua como líder de opinião, este desabafo não serve a Democracia e é tão penalizador como a abstenção nos momentos eleitorais. Por outro lado, também me parece que não perderia Otelo o seu carisma ao tomar partido, já que da extrema esquerda à extrema direita, se percebe bem qual a opção a tomar para não deixar interromper-se a Democracia, nem que seja por quatro anos, nem deixar que se repitam os erros que nos trouxeram até aqui e que, aqui talvez Otelo se culpabilize com razão, durante anos perduraram à sombra de um extremismo que já não tem lugar na contemporaneidade. A desilusão de Otelo parece-me tão grave como o enquistamento de quem não deixou ainda os tempos do PREC e vive neste mundo e neste tempo amarrado a dogmas disfarçados de ideologias.

Custa-me ter falado de Otelo aos meus filhos e ouvi-lo agora dizer isto, mas também sei que posso sempre contar-lhes esse outro episódio desses mesmos tempos do Abril quente. Em visita à Suécia num encontro com Olof Palme, esse líder europeu que integrava através do seu partido a Internacional Socialista, que sempre defendeu a ideia de conciliar uma economia de mercado com um forte estado social e que enquanto governou a Suécia o país gozou de uma forte economia e dos níveis de assistência social mais altos no mundo, Otelo Saraiva de Carvalho terá dito a Olof Palme: «Em Portugal, queremos acabar com os ricos», ao que Palme terá respondido «Na Suécia, queremos acabar com os pobres».