7.11.23

O filme todo

Às vezes tento imaginar o que pensa quem tem mais que fazer do que assistir, vendo ou só ouvindo, às dezenas, senão centenas, de opiniões debitadas na bolha política, comentando as catadupas de casos quotidianos. Casos que se misturam sem hierarquia que, se bem nos levam a mais assuntos, tendem a dar a impressão de que da importância nuclear à espuma dos dias a via é livre e rápida. E sim, a concorrência das redes sociais sentida por uma comunicação social ameaçada, e revelando-se frágil ao não conseguir ser mais competente na investigação da informação que divulga, é a prova de que, em larga escala, a “má moeda” não faz circular a “boa moeda”: abafa-a.

Passamos o tempo a ver e ouvir banalizarem-se notícias, em “loop”, comentadas por opinadores com uma agenda que, não poucas vezes, é panfletária. Ver estes “filmes” até ao fim e quando já se transformaram em sagas (como as das reformas na saúde, no ensino ou na habitação, todas três dependentes de sistemas em que todos, repito todos, os envolvidos estão lá para servir cidadãos primeiro), ver até ao fim “estes filmes” também permite, a quem está na bolha e atenta, deparar-se com pessoas que fazem do discurso acções, ou propostas para essas acções, dizerem “tudo e o seu contrário”, ao longo dos “episódios”. Triste é quando isto se passa, também, com ou quem nos governa, ou nos representa na AR, órgão que legisla a nossa vida. Nem falo de Marcelo que está imparável naquilo que sempre fez muito bem: ser inconveniente para fingir, com prepotência paternalista, que não é a “gravitas” necessária ao lugar da responsabilidade que ocupa que afasta o Povo do Poder.

Se nunca conseguiremos saber como e quando estas sagas vão acabar, até porque o padrão diz-nos que são cíclicas e reclamam novos protagonismos, vale a pena ver o filme todo, mas desde o início mais disponível, para conversar com calma sobre assuntos complicados. E fazerem-se conversas que esclareçam públicos deixando-os formar uma opinião.

Naturalmente que, nesta torrente, ninguém, ou quase, o fará. As pessoas acabam por se limitar a ver trailers e cartazes, ou seja, soundbites e decibéis, piadolas e “trolices”. O resultado é termos alcateias que lutam entre si e que arrastam consigo rebanhos que as seguem, mais ou menos satisfeitos.

E para terminar com a metáfora de “ver o filme”: seja para assistir a um clássico, a uma pepineira ou a uma obra-prima, os espectadores que saem para ir ao cinema serão muito menos que os que ficam em casa, e assim se perdem cidadãos interessados para a causa pública. E se criam claques em vez de gente informada que pensa, conversa e vota.