16.5.23

Opinião, pares e equipas

Nunca o interior de um Governo foi tão escrutinado como este, e tal como se deseja que continuem a ser os próximos, sendo-o para efeitos de avaliação das políticas propostas que lhes forem confiadas. Desconfio que a coligação suave das Esquerdas entre 2015 e 2019, e subsequente separação, terão alguma influência no assunto, agora que estão novamente libertadas e na muito mais confortável posição de oposição. Como as anteriores coligações da Direita efectivavam o compromisso com o assumir de ministérios e secretarias de Estado por todos, no pós-coligação deu-se menos, ou nada, pelo habitual discurso, revelador de formas de estar nas coisas: se correr bem fomos nós, se correr mal foram eles porque nós ou avisámos, ou não tínhamos nada a ver com aquilo. De facto, com as coligações de Direita o que se perpetuou foi a desculpa com as queixas sobre os que vieram antes.

O escrutínio externo ao interior do Governo devia ser tão isento como é, por princípio e em princípio, a chamada “arbitragem cega por pares” no mundo da investigação científica e respectiva divulgação. Sendo um trabalho muito pouco reconhecido, mesmo ignorado em algumas avaliações curriculares, quem avalia um artigo de revista ou um capítulo de livro tem obrigações muito concretas, como por exemplo: validar a pertinência do estudo no conjunto que é a revista ou o livro; avaliar a coerência entre as metodologias do trabalho, os factos apurados depois de analisados para alcançar o objectivo do estudo e do conjunto; pronunciar-se e garantir a qualidade da comunicação dos conteúdos. Estas obrigações poderiam bem aplicar-se ao tal escrutínio por quem, não sendo um par porque não está na mesma corrida, se ocupa em fazê-lo: se as medidas de governação vão ao encontro do programa que foi a eleições; se são usadas e avaliados os contributos de todas as estruturas envolvidas nas opções tomadas por essas medidas governativas; se se consegue explicar as alterações que trarão e os respectivos impactos na vida dos cidadãos e dos eleitores.

Ora, num escrutínio entre pares e havendo um carreiro estreito pela frente, a tendência é haver também alguns atropelos para chegar lá, à ambicionada meta pelos pares, seja um lugar mais alto na carreira, ou o prestígio de ser especialista e ter trazido avanços ao Conhecimento. Ora havendo este clima de competição, mesmo sendo “avaliação cega”, o apurar dos outros sentidos para tentar desvendar o anonimato obrigatório, ou a liminar intenção pouco séria de ver-se livre de qualquer, até só imaginada, concorrência, pode ocorrer. É o que acontece com o escrutínio dos Governos pela oposição que nos engana alegando isenção, e que vigora não nos Políticos, e muito bem, mas, e muito mal, em comentadores jornalistas sem filiação ou simpatia assumida e declarada.

Aqui chegada, nada do que digo a criticar o simulacro de chamar “pares” na isenção necessária em certas corridas, desvaloriza o que deve ser o escrutínio feroz dentro de equipas que se constituem na base da competência e da confiança. E este é um trabalho muito, mas muito mais difícil e necessário, que evitaria brechas por onde entrasse a oportunidade de a equipa ser derrubada. E muitas vezes nem sempre derrubada por equipas, ou franco-atiradores, melhores.

E é por isso que, nos Governos, deve ser dada completa autonomia para se constituirem equipas, e que não se ceda à tentação de inventar mais um formulário idiota chapa 5 como o inventado para Ministros e Secretários de Estado, desta feita a assessorias técnicas ou políticas. Tudo a ceder ao populista pré-escrutínio de idoneidades que, de resto, já são aferidas por vários instrumentos legais consolidados.

Uma séria avaliação intercalar interna é o que eu também espero que a equipa, entre pares, deste Governo esteja a fazer, com tempo, critérios e soluções que não lhe compliquem ainda mais a vida. Como tem complicado a tão hipócrita e hipocritamente elogiada cooperação entre Belém e São Bento, nome de fachada que se dá ao que basta, quando é sério, relacionamento institucional.