23.5.23

Cavaleiros de triste figura ou a cruzada dos inquisidores

Chegámos a uma fase histérica da Democracia. Sim, aquele distúrbio que leva a ansiedade a extremos de alterações no funcionamento até fisiológico de pessoas que, assim, perdem controlo sobre si, sem conseguir disfarçar reacções exacerbadas que acompanham emoções. O primeiro exemplo foi logo a interrupção do prometido silêncio e o já habitual regresso das catacumbas dos Presidentes que, acumulando com Professores, tiveram as suas rábulas. Mas concentremo-nos no mundo dos vivos e deixemos quem trepou ao coqueiro em paz: Marcelo resolveu dar lições a João Galamba sobre responsabilidade e visibilidade de quem ocupa cargos públicos. Olha quem! O homem que há décadas tem contribuído para transformar a política num circo mediático! Eu sou do tempo da banhoca no Tejo. Imaginam aquilo com as “breaking news” de hoje?…
Mas adiante, porque é sobretudo a propósito do que se passou na Comissão da TAP que já quase não é sobre a TAP, com direito a transmissão directa nas rádios e televisões nacionais. É no que isto se tornou a que me refiro com este diagnóstico de psiquiatria de bolso, ignorante que sou na matéria e apenas a ela recorrendo para efeitos estilísticos.

Houve, nas redes sociais, reacções de “body shaming”, próprias dos palhaços do circo, que alguns até, e muito bem, assumem ser, mas desta feita na boca de quem prega inclusão e o fim de descriminações várias. Houve agentes provocadores que, habituados a lutar na lama, angariaram espectadores para o espectáculo, como quem vende pulseiras para as festas brancas no “Allgarve”.

Ouvir e ver aquelas sessões só me lembrou os julgamentos dos casos escabrosos nos tribunais norte-americanos, herança do velho pelourinho. Só que, agora, num país de amadores (e com todo o respeito pelos que dignamente se assumem como tal), tudo a dizer que, não sendo juristas, nem intriguistas, não fizeram senão levantar suspeitas de púlpito errado. (Eu sei, eu sei, é nesta parte que os psiquiatras me podem apontar o efeito boomerang da minha crónica ao falar de histeria).

Consigo imaginar alguns flautistas a transformar certos deputados em ratos e a levá-los para um lugar da Democracia muito pouco digno. Há como que uma espécie de feitiço quase inexplicável (todos sabemos como explicar, na verdade, e por tão óbvia a mesquinhez não queremos nem pronunciar), feitiço antigo que já levou a cruzadas de pobres, ou crianças, com piores destinos do que o lugar de partida e o motivo de viagem deixariam prever. E nesses flautistas não há só políticos, não senhor. Aliás, alguns dos deputados nos intervalos das sessões pareciam ter ido deitar um olho a certos painéis de comentadores. Toda uma produção, minuciosa ao nível da vírgula, que torna difícil a competição por parte de vários especialistas em tiro ao alvo, sendo o alvo alguém que devia era estar a ter tempo para governar. (O senhor que trepou ao coqueiro também se queixava disto, lembram-se?).

Mas tudo aquilo também me fez lembrar a loucura histérica de Dom Quixote: na ânsia de mostrar que quer fazer o bem; na ânsia de defender o comportamento certo no momento certo para um episódio que, não tendo sido presenciado se quis ver relatado para inscrição em livro eterno como se assim tivesse sido; na ânsia de salvar uma Dulcineia - que é Frederico, o que para o caso e a bem da contemporaneidade não importa nada - contra os gigantes que estão no poder; em todas estas ânsias se viram os deputados em tristes figuras.

No final de 2015 fiquei expectante, entusiasmada e optimista com a relevância que o Parlamento português deveria passar a ter no espaço público. O optimismo mantém-se, claro, mas o entusiasmo transmutou-se em vergonha alheia (até com o artificioso Presidente a querer fazer passar a ideia de que está a fazer um favorzinho ao Governo, não usando a “bomba atómica”); e as expectativas resolveram-se definitivamente nestas últimas semanas. Espero que numa próxima, o mais distante possível desta, edição da AR, se os deputados que eu elejo se sentarem na oposição reponham o nível da Casa da Democracia.