28.2.23

A força de vontade e a passagem de um ano

Cresci a ouvir falar na força de vontade que devia ter para ultrapassar as contrariedades e chegar a um muito desejado objectivo. Várias vezes desisti a meio de certos percursos por perceber que, afinal, a meta não merecia tanto esforço. Mesmo que os meio-caminhos feitos me tenham ensinado sempre alguma coisa, desistir não é palavra de que alguém se orgulhe. Embora, em muitas situações, possa ser a saída airosa para evitar que a derrota seja mais estrondosa do que a glória que o rascunho da vitória pressupunha no início da provação. Como escreveu a Clarice Lispector: “ A desistência é uma revelação.”.

Parece, então, que no princípio é que está o desafio. Acostumámo-nos a ouvir aos comentadores da guerra de invasão da Ucrânia: sabemos como começou, não sabemos como vai acabar. Mesmo sabendo todos muito bem quais os objectivos de Putin e da sua gente. Não lhe podemos negar que teve a força de vontade com ele, rodeando-se das circunstâncias que alimentariam essa força. Mas não contou com as forças de resistência, as de quem a única vontade parecia ser viver em paz e democracia.

A guerra na Europa, que ainda não incomoda o Mundo todo mas é assunto mesmo muito europeu, continua a ensinar-nos que a força de quem reage se torna, tendencialmente, maior do que a de quem toma uma iniciativa. E é assim que querer impedir quem quer fazer se torna, apesar de todas as razões ou falta delas, movimento de mais provável sucesso. Mesmo se com o preço alto a pagar de uma maior quantidade de devastação e perdas entre os resistentes.

Um ano depois do início da Guerra, sem dúvidas nenhumas, por óbvio que é distinguir quem é o agressor e quem é a vítima, dos piores momentos que ouvi relatado no dia 1 de Janeiro - tão trágico quanto semelhante a episódio de ficção - foi o que se passou com as tropas russas nessa noite da Passagem de Ano. Autorizados pelos seus superiores a ligarem os telemóveis perto da meia-noite russa para festejarem o momento com as famílias, os jovens soldados russos sem quererem denunciaram massivamente a sua localização através de satélites e foram atacados pelas tropas ucranianas. Não me sai da cabeça, mesmo sabendo que estavam do lado errado, que houve dezenas de jovens soldados que morreram enquanto desejavam um feliz ano novo às suas mães. Na lei da guerra não parece haver espaço para planear calendários. Sabemos como começou, não sabemos como acabará.