15.3.22

Fazer o bem, à compita

 Como em qualquer situação extrema de vida ou morte, a tragédia da guerra, quando o drama ainda se desenrola, revela o pior e o melhor de cada indivíduo. O sofrimento pode, no fim e quando deixa as suas marcas nos sobreviventes, modificar muitas pessoas, mas quando começa, e retomo o que já disse sobre o acaso, encontra cada um como está e é.


Isto acontece a quem sofre no meio do cenário, mas cada vez mais condiciona o comportamento de quem assiste de fora, mas do longe que parece perto, em lugar onde alguns pingos da tragédia podem ainda vir borrifar. (Há-de convir-se que assistir à transmissão da guerra e ter pesadelos, ou a própria crise económica são uma pálida amostra do impacto da devastação do país onde está a guerra.)

Vem esta crónica a propósito da onda de solidariedade que, como é frequente, não apenas envolve quem já anda por aquelas águas e na zona de rebentação, mas atrai uma série de gente, e instituições, que sem que lhes peçam se atiram ao mar. Um manancial também de oportunidades para a selfie, o post, a reportagem na TV. Uma situação que acontece em ocasiões diferentes, a vários níveis que têm impactos de visibilidade também diferentes, mas com o mesmo princípio de mostrar como se quer fazer o bem. Como se é o melhor a fazer o bem, o que parece ainda pior.

Não tenho nada contra o gesto de ajudar, muito pelo contrário. Mas julgo ter-se muito mais a ajudar quando se contém esse gesto colaborando de acordo com o que a divulgação de formas organizadas indicam para o fazer. Estas indicações vêm de quem tem, na sua razão de existir, essa responsabilidade e sabe avaliar as necessidades no momento certo, sem precipitações.

Criar a necessidade é uma manobra de marketing para promover quem o faz e não o resultado do que se faz. Criar a necessidade a propósito de uma situação que trará, sem esforço nem demora, muita necessidade, deixa transparecer um receio de concorrência. Se isto, enquanto impulso de um inconformismo impotente, já deveria conter-se num exercício de auto-domínio, então a exibição destes gestos precipitados em público revela um despudor que não fica nada bem a quem os pratica. É que até correm o risco de se atropelarem uns aos outros e a fotografia tornar-se tragicómica, o que é visivelmente desajustado e inconveniente.