8.3.22

Do caso ao caos sem acaso

 Não vale a pena ignorar que “o caldo se entornou”. Os mais distraídos, que não são nenhuns dos que ouvem ou lêem textos como este, podem achar que esta é só mais uma “daquelas” de que havemos de nos desenvencilhar. Ou de que “alguém” nos há-de salvar. Mas a guerra que começou na Ucrânia, e não sabemos onde vai acabar, marcará o fim da nossa geração, a dos que já atingiram meio-século, e a geração dos nossos filhos. E talvez até a dos filhos que estes ousarão pôr no mundo.


É sabido que o acaso não traz nada de seu, porque não acontece sozinho. E muitas vezes é resultado de opções que não pareciam piores: neste caso, acreditar que os ideais da democracia podiam ser partilhados por quem traz em si, por tradição e educação, a semente da autocracia. Erro crasso, está visto. Os líderes como Putin, e outros herdeiros menos ricos de regimes imperialistas, não se preocupam em mitigar desigualdades, que beneficiam muitos, até os mais afortunados, mas em privilegiar alguns e usar outros como tapetes, degraus ou coisas parecidas.

Mas o acaso, que parece uma surpresa ao virar da esquina, também encontra cada um como está. As cúpulas políticas da Europa saída de um traumático Brexit e seguido de uma devastadora pandemia que conseguiu ir controlando, apesar de tudo, parecem ter-se consciencializado de que a Europa é União. Falta-nos a nós cidadãos tomar também essa consciência (se pensarmos nas vezes em que falamos do dinheiro que vem de Bruxelas como se não fosse nosso também, para o bem e para o mal, vemos como não nos sentimos em muitos níveis parte dessa União). A proximidade connosco em vários aspectos dos Ucranianos - cor da pele, cultura e religião - fez-nos até reagir com um quase excesso de zelo para com a situação (que nunca deveria ser diferente para outros casos semelhantes que há décadas se arrastam, pedindo-nos ajuda porque os valores da Europa são, na realidade, maiores do que os valores de clã ou de tribo).

Se a pandemia nos acordou para a urgência climática, agora ainda mais ameaçada pelos efeitos da guerra, este conflito, que talvez seja a III Guerra Mundial, poderá despertar-nos para uma redefinição de limites que nos ajudarão a entendermo-nos na diferença. Que do caos, não fruto do acaso, consigamos resolver vários “casos pendentes”, como há e haverá sempre, e não nos esqueçamos que, do sacrifício do retrocesso destas duas ou três gerações, se retirem lições.

Já agora, não apenas por acaso, por estes dias também e pela primeira vez na história da Humanidade, o lixo humano que vagueia pelo Espaço caiu na Lua abrindo-lhe uma cratera. Caiu do céu, mas não foi para lá por acaso.