1.3.22

Entre a câmera e a bala

A guerra de hoje passa no pequeno ecrã, em tempo real, numa actualização dos pequenos filmes a preto e branco que passavam nas salas de cinema americanas e de que vemos hoje representações em muitos filmes e séries. 

Deu até para perceber, por algumas reportagens televisivas da semana e meia até as coisas aquecerem, com enviados especiais a Kiev, que o potencial cenário de guerra foi uma espécie de “passadeira vermelha”. De pouco ou nada serviram já que, aos microfones, quem cá ficou a tentar diagnosticar e prognosticar tinha de avisar que o que diziam era no “caso de se confirmarem as informações”. Seria de esperar que aquela espécie de figurantes descendentes da Nikita do videoclipe do Elton John, quando as balas assobiassem aos ouvidos, fossem rendidos pelos repórteres de guerra a quem tanto, de facto, devemos. 

Reparámos igualmente como o uso do espaço mediático pelos dois protagonistas do conflito, Putin e Zelensky não está a ser um detalhe estratégico, como nunca o foi a propaganda dos regimes totalitários. Todos os que se interessam por comunicação vão ter aqui assunto, depois (ou ao mesmo tempo, sei cá, que isto desta contemporaneidade tende a micronizar prazos) de se chorarem os mortos e se ajudarem os feridos. 

Também deu para reparar que o Dr. Rangel, já depois de há uns tempos ter perdido o vôo para a Venezuela quando lá ia exterminar comunistas com a bandeirinha do PP Europa em punho, ter agora anunciado a sua ida a Kiev e em força, e tenha acabado, à força também claro, por ficar em Bruxelas. (Há, pela ludo-net, espécie de lado solar da dark-net, umas dicas bem giras para fazermos fotos de vistas de um avião sem sairmos do nosso modesto primeiro andar.) 

E por falar em Venezuela, em regimes comunistas e em Rússia, também está a ser curioso observar o PCP (parece cada vez mais escusado voltarmos a usar a sigla CDU) e as suas proclamações quanto às boas razões da Rússia e de Putin para iniciarem nova saga do Império Contra-Ataca. Declamações encenadas, e bem ensaiadas, enfiando agenda própria mas ao estilo do discurso treinado para se ser Miss Mundo. Talvez para além de deixarem de usar a sigla CDU, devam mesmo deixar de invocar em vão a palavra que está na origem da letra do meio - “democrática” - sob pena de agora se notar mais que era só para a fotografia. Como a vontade do Dr. Rangel, que queria muito ir para o cenário pré-guerra, a democracia que o PCP defende é mesmo com minúscula e a servir de isco num anzol bem enferrujado de tão antigo. 

Guerra é guerra, pá!Deixem-se de figuras em frente às câmeras e dêem lugar ao jornalismo decente, o que mostra e explica, testemunha e argumenta, e usa o seu legítimo importante poder ao serviço dos cidadãos e em nome do progresso. E apercebam-se, ó políticos a fazer política de pacotilha, que o século XXI não é só “o das selfies”.