29.10.19

Luzes! Câmara! Fogo!


O tempo entre saber-se quem seriam os próximos ministros e a sua tomada de posse proporcionou o habitual vazio como rampa de lançamento para o início das contestações. E por isso, se aquecem motores e concertações entre oponentes ao Governo e uma certa Comunicação Social, à volta dos que, não fosse o vazio, seriam, se calhar, fait-divers. Desta feita com casos na Educação, graves sem dúvida, e empolados, de violência entre professores e alunos, nos dois sentidos. E na Saúde, o caso absolutamente dramático do bebé de Setúbal. Curiosamente holofotes em assuntos de dois ministérios que muitos julgavam que iriam mudar de responsável.

Se no caso da Saúde o “esterco na ventoinha” foi direitinho para a desmascarada inutilidade, ou mau-uso o que é ainda pior, da Ordem dos Médicos e do seu mediático bastonário, ávido de um protagonismo fora da sua corporação; no caso das Escolas, a contenção com que a tutela cautelosamente reagiu perante casos-crime, fez do sindicalista de serviço protagonista, e a, mais uma vez, ajudar a denegrir a imagem dos professores, hierarquizando-os até entre os de primeira e os de segunda.

O que estes dois casos realçaram, para além de darem notícia do que é de facto notícia e que a CS tem como função divulgar, foi sobretudo o aproveitamento que deles fizeram outros implicados no mesmo sistema. Figuras institucionais, nas Ordens ou nos Sindicatos, que, nas suas funções, podem e devem servir para defender o bom nome dos profissionais que representam. E este aproveitamento não só contamina, pela sua enviesada agenda, uma certa CS que vive só destes casos mal explicados, como prejudica a relação destes profissionais com a restante sociedade.

Lido quotidianamente com jovens saídos da escola enquanto alunos e que escolheram estudar para regressarem à escola como professores. Toda a conversa do envelhecimento do corpo docente das escolas e da falta destes profissionais lhes abrem expectativas de uma entrada mais fácil no mercado de trabalho. Sabem qual é o ambiente das escolas por que passaram e escolheram voltar para lá. A imagem de caos que estes casos empolam presumo que não lhes apagará a vocação, mas impressiona certamente todos os outros cidadãos que terão de contactar com a Escola, imaginando-as antros infrequentáveis. E essa parece ser a agenda escondida à vista de todos em horário nobre.

Esta exploração mediática apocalíptica, a que assistimos sobretudo no canal que na minha TV está na posição oito, lembra-me sempre as reportagens sobre algumas cidades no Verão de 2013, e que contribuíram para que nelas os executivos mudassem de partidos no Outono seguinte. E no entanto, como vi acontecer para o caso que conheço, mal o Inverno tinha começado e já liamos guias de sugestões de cidades a visitar, onde Évora sobressaía pelo bom que por cá se fazia. E o novo executivo ainda nem sequer tinha aquecido as cadeiras em que confortavelmente tinha acabado de se sentar. A continuarem estes meios a usar esta linguagem para passar certas mensagens, talvez não fosse mal pensado irmos tratando de aprender a ler o mundo assim codificado, em que depois das técnicas que ditam “luzes! câmara!” a ordem seja mesmo “acção!” e não “fogo!”.