Não, esta crónica não é sobre a composição do 22º Governo que, até a alguns
que queriam manter a coligação anterior, ouvi acusar de serem afinal os mesmos
de que, ou por estarem mais sossegados, ou por esbracejarem mais, não gostavam.
Esta crónica é sobre os resultados, ainda provisórios, dos Concursos Sustentados
Bienais da DGArtes para Évora. Muito em particular, a indignação geral com o
não financiamento ao CENDREV.
Sei do que falo por experiência anterior de quatro anos a lidar com agentes
culturais profissionais que, naturalmente ainda que infelizmente, dependem
exclusivamente de fundos públicos para existirem. Digo naturalmente, porque
esta cultura a que temos direito não gera os recursos financeiros para se
sustentar, e deve por isso o erário público assegurar que todos usufruamos
dela. E digo infelizmente porque, houvesse públicos ávidos para dela
usufruírem, já dinheiros privados acorreriam para as promover. Como aliás
acontece com a cultura popular, por vezes apenas apreciada pelo seu lado de
entretenimento. Injusta exclusividade de apreciação, que diz muito mais sobre a
bolha em que vivem certas elites do que da falta ou da presença de qualidades,
que muitos dos seus agentes têm e podem ser motivo de argumentação.
Quando comecei, no concelho de Évora, a lidar com este assunto do
financiamento das estruturas culturais, e implementámos em 2011 um regulamento
(que, apesar de muito criticado pela então oposição, continua em vigor, ao que
julgo), deparei-me com três situações protagonizadas pelos chamados
“conceituados agentes culturais da cidade”. Situações que não posso esquecer e
que, parecendo ter regressado ao espírito e à forma de existência de então, em
nada me levam a ficar admirada com os resultados do dito concurso. Chocada sim,
continuo, pela inconsciência de si-próprio e pela alienação face ao mundo em
que vivemos e que, mesmo não gostando e querendo mudá-lo, requer mais do que
pergaminhos guardados num baú de décadas.
As três situações, relacionadas com apoios municipais, foram então as
seguintes: a primeira, a de que qualquer apoio que não fosse em euros parecia
irrelevante, como se ter “cama, mesa e roupa lavada” não aliviasse a
sobrevivência de qualquer instituição ou indivíduo. A segunda foi a de perceber
que se considerava normal que um apoio público não dependesse de uma política a
enquadrar os destinos desse apoio, política essa com programas próprios de
incentivo à criação artística ou de públicos em que quem paga gosta de ver o
retorno desse investimento (e não, não falo de cenas popularuchas, falo de
outras cenas que criem o interesse do público no que é diverso, com tudo o que
o adjectivo implica). E finalmente, perceber que havia estruturas ou agentes
que achavam que lhes bastava uma espécie de brasão ou estandarte para que os
dinheiros públicos, o que é de todos nós e que deviam gerir, os financiassem.
Sem necessidade de prestar contas e aferir com os financiadores programas
regulares para além dos que “era costume”, sem se provar, para além das
impressões dos amigos, o impacto que a sua actividade tinha na população que
contribui para apoiar a sua existência. Como se estivessem acima de todos os
outros, sobretudo os mais recentes ou mais periféricos, quer no sistema
cultural, quer dentro da geometria geográfica que estava em causa. Sendo assim,
quem não os conhecer que estranhe o resultado. Eu conheço-os. E, já agora,
gostava de conhecer, a par da indignação, os argumentos do júri a justificar a
decisão.