2.4.19

Não, não é normal

Não sei se alguém já alguma vez vos pediu que metessem uma cunha para que fulano, que conhecem vagamente mas é sobrinho da prima do vizinho impecável, fosse desempenhar uma determinada função; e que o fulano tivesse conseguido por isso o cargo e tenha sido altamente incompetente e incapaz. Deve ser uma vergonha... para quem meteu a cunha. Mas há quem ache normal estas cunhas e anormal quem não lhes ceda e não ache que, ser aquela pessoa a quem se mete cunhas, é crescer alguns centímetros.

Pois é, as relações entre membros da mesma família no mesmo Governo não é normal, mas também não devia ser tema da conversa que para aí vai só porque sim. Elas, de facto, são também sinal de fechamento de certos grupos em determinadas funções, para além de serem resultado de crescer com interesses e conversas à mesa em comum. E dos cargos políticos em equipa terem de estar assentes em relações de uma confiança que só imagino que deva existir equiparável quando nos metemos nas mãos de um cirurgião.

Essas relações que existem em todos, repito, todos os Partidos, estendem-se a autarquias, mas também, por exemplo, a universidades (a famosa endogamia que compete com as chamadas “formações de aviário” e que acabam por desvalorizar as próprias instituições, independentemente do mérito de quem nelas corresponda a esse perfil), quando se tornam tão visíveis como agora, só terão, atrevo-me a alvitrar, solução compósita e de frentes várias e simultâneas: que os estranhos à família estejam particularmente atentos para que a relação familiar não seja prejudicial ao resultado do desempenho definido para a função; que se constituam mecanismos dentro das organizações em que o mérito seja previamente escrutinado, no caso de cargos por eleição, antes de os familiares se constituírem como única solução ou opção; e que ao mínimo deslize de alguém que esteja nessas condições se exonere a pessoa e que quem a substitua não possa estar nessa mesma condição. Obviamente que isto é ilegislável, mas assim como nada há a proibir a situação presente, estes termos seriam uma boa referência. E a Comunicação Social poderia, então, aprofundar muito mais os casos que deram para o torto, do que andar só a soprar a espuma dos dias para nos dar matéria para umas piadas, algumas bem divertidas, diga-se. São casos não normais, merecem mais atenção do que só serem faits-divers, que é o que vai acontecer quando, e se, se abrir mesmo este assunto assim transformado em Caixa de Pandora.

Quando me convidaram para um dos alguns cargos políticos que já exerci e o comuniquei passadas umas semanas a uma pessoa próxima da parte da minha família que sempre teve membros politicamente ativos desde há quase 100 anos, essa pessoa perguntou-me quem tinha dito a quem me convidou de que família eu era. A expressão da pessoa, por amizade estou em crer, quando lhe respondi que essa pessoa ainda não sabia, foi quase de desilusão. É o que temos, e não, não me parece que deva ser normal.