5.3.19

Hoje há palhaços!


Como é Carnaval e gosto pouco, ou nada, de me mascarar em qualquer altura que seja, lembrei-me de falar daquelas máscaras que são toleradas, e até acarinhadas felizmente, ao longo do ano em certos locais públicos. Falo dos palhaços, naturalmente, de que mais poderia falar?
Os palhaços servem para fazer rir, ponto final. O riso espontâneo, arrancado à ingenuidade que alguns já perderam e à emoção que outros ainda não aprenderam que têm. O que os palhaços fazem, e que leva ao riso, e às vezes às lágrimas de tão bonito que é ver o riso sair do que deixa de ser ridículo e passa a ser belo, dependerá consequentemente do público a que se apresentam e que os incentiva a fazerem as suas, cada vez melhores e mais divertidas, palhaçadas.
Não existe um palhaço sozinho em casa ao espelho. A não ser que se esteja a preparar para sair a público e receber os aplausos daqueles a quem vai entretendo. É acarinhado por todos os que lhe pedem que volte outra vez, tem o seu público fiel, que o faz continuar a ser palhaço. E não precisa de fazer muito em palco, o palhaço, basta fazer muito bem feito. Mesmo o muito bom palhaço, o que é muitíssimo famoso e aplaudido por multidões, só precisa de fazer, com muita arte, as chamadas palhaçadas. Não é um humorista que até percebe, e tem de demonstrá-lo, de uma retórica certeira, uma arte de usar o verbo para arrancar o riso das pessoas, por puxar-lhe pelas celulazinhas cinzentas. O palhaço normalmente faz também sair as emoções dos que assistem ao seu espectáculo mas sem que tenha que demonstrar que há um pensamento, uma certa lógica, enquadrada e contextualizada, com argumentação séria.
Quando num espectáculo para rir a argumentação é incoerente, desmontável, mesmo que, não sendo, pareça verdadeira, é uma falácia. E aí não temos um bom humorista, e talvez nem tenhamos sequer um bom palhaço. Porque se fosse mesmo bom, o palhaço sabia fazer outras coisas que fizessem rir só porque sim e não porque quisessem ser verdadeiras. Há no palhaço uma espécie de arte especializada em fazer sair o riso sem precisar de dizer porquê ou para quê. Os palhaços são como as cócegas. E é por isto que, quer para fazer, quer para entender o humor, é preciso usar as celulazinhas cinzentas que se tem. E que para fazer boas palhaçadas. que arranquem boas gargalhadas. é preciso tocar nos corações das pessoas.
Dito isto, até parece um bocado injusto que a de palhaço seja uma máscara tão associada ao Carnaval, essa época em que podemos ser o que não somos, e fingir sem enganar e sem nos enganarmos. A não ser que, na lógica do mundo ao contrário, do fazer de conta que se é não sendo, a máscara de palhaço seja a dos que não têm pingo de emoção, nem pescam nada da arte de fazer cócegas na alma e de nos pôr a rir. E aí, sim, é Carnaval a sério. 

Bom, mas Carnaval é Carnaval até em Évora onde há tema obrigatório para ser Carnaval oficial, imagine-se. O deste ano foi um tema muito “à frente”, futurista mas muito sério: Évora, Capital Europeia da Cultura 2027. O desfile terá feito as delícias dos foliões, naturalmente, até porque Évora já foi capital em que os textos de Gil Vicente eram representações de referência onde o humor resiste ao Tempo. Neste Carnaval oficial em Évora a linguagem foi, no entanto, de fino recorte bolsonarista, já que se ouvia na Praça maior da cidade o Samba da terra de Jair, com versos tão sugestivos como: “sou casada, mas ele faz tão gostoso / dim, dim pode dar em cima de mim”.  Que arrojo, nossa!