O rapaz tem um ar vivaço e aparece nas televisões lusas em cenário
búlgaro com discurso fluido e com tom de que tudo quanto diz é óbvio para
qualquer comum mortal. Não óbvio porque “poucochinho” e fácil de entender, mas
porque, cheio dele mesmo, a mensagem que sai da sua boca oracular atinge os
píncaros do bom-senso e só pode estar prenhe de razão.
Pela profissão que tenho, lido quotidianamente, e ano após ano, sobretudo
com jovens. Tento fazer com que mantenham a vivacidade própria da idade e
consigam encontrar o equilíbrio saudável, para eles e para os que com eles
convivem, entre uma certa displicência que não os torne ansiosos e uma
ansiedade que não os deixe passar ao lado do que pode ser-lhes importante. Por
esta altura já terão percebido que falo do hacker do footballeaks que
está em risco de ser extraditado para Portugal, se é que à hora a que me ouvem
ou lêem não está já por cá.
Diz que se sente ligeiramente em perigo, agora que saiu da “nuvem” onde
andou a espreitar pelo buraco da fechadura de portas que, para o bem ou para o
mal, têm direito a estar fechadas. Se o rapaz de sotaque e divertida aparência
(confesso a sincera graça que lhe acho ao look )
“Porto-Espinho” tivesse ouvido contar (e se calhar ouviu) o que acontecia às
personagens que nas histórias tradicionais ouviam atrás da porta e espreitavam
pelos buracos da fechadura, tinha razões para ter medo. Não porque lhe possam
alguns “limpar o sebo” transformando-o, esse perigo iminente, naquele herói de
filmes e jogos que deve frequentar nas horas em que não está a piratear e a
violar a privacidade de gente a sério, seja gente mais ou menos séria. Mas
porque essas etapas do herói bisbilhoteiro tantas vezes atrasavam o desenrolar
da história e a chegada do final feliz.
É que este justiceiro do primeiro quartel do século XXI, que talvez já
tenha quase nascido ligado à .net, representa o mau uso da acessibilidade ao
mundo interconectado desejável para todos como sinónimo de progresso. E que a
par da facilidade em aceder a mais informação, a obter agilmente soluções para
problemas ou processos que nos roubam tempo de qualidade à vida, a par de tudo
isto e mais algumas coisas, se mantenha o direito à privacidade. E dando-lhe o
valor que não a transforme, por se lhe querer atribuir uma imagem banalizada de
bas-fond. Aprenda, jovem, que o segredo
tem muitas vezes boas razões para existir, e que atrás de uma porta não existem
só malfeitores a conspirar. Se este princípio se acabar e se se banalizar a
devassa sob a capa de uma justiça por acontecer, “descanse”, jovem, que quem
“vier por mal” rapidamente encontrará alternativa para continuar. E pelo
caminho muita vida íntima, integra, terá sido interrompida.