30.10.18

O Orçamento, os números e as ovelhas


Julgo que já aqui fiz uma piada, ou tentei fazer, em que joguei com a expressão “se no princípio era o Verbo agora... é a Verba”. Quer a palavra, quer o dinheiro - os números, aquilo com que se compram os melões - podem também ter vários sentidos e, por isso, vários significados e interpretações. Vem esta conversa a propósito do orçamento para 2019, que está em final de discussão entre os Partidos na Assembleia da República e o Governo.

Os orçamentos, mesmo sendo instrumentos técnicos onde importa fazer muitas contas e muitos exercícios entre o deve e o haver, são acima de tudo documentos políticos. Recordo com alguma emoção, mesmo depois de todas as conversações, depois de todas as assinaturas entre os Partidos que designamos da Esquerda e que formaram a “Geringonça”, quais cerimónias de casamentos complicados como os dos reis e das rainhas em que haveria muito património a defender mas também muitas questiúnculas entre membros das respectivas famílias; lembro como foi emocionante a aprovação do primeiro orçamento desta legislatura. Foi nesse momento que percebemos que era possível Partidos normalmente habituados a viver à conta do capital de queixa, comprometerem-se numa certa medida com a gestão que, tentando dirimir o motivo da queixa, tantas vezes obriga a fazer oitos com pernas de noves.

Os orçamentos são, afinal, como as salsichas. Uma vez que os provamos e aprovamos, mais vale nem saber de que são feitos. A suposta precisão dos números, que são ainda assim a matéria prima de um orçamento, transforma-se em retórica e num difícil exercício de conciliar a lógica com a dialética. Às vezes é mesmo muito difícil perceber como se ajeitarão números, sempre curtos, sempre poucos, sempre regateados, e afirmar que só se pode fazer com eles uma parte daquilo que outros exigem, e o fazem tanto para além do resultado possível da soma das partes exigidas. Parece não haver aritmética possível no exercício de um orçamento.

Planear, mesmo com todas as interrogações que um qualquer futuro em qualquer parte do Universo signifique, implica encontrar alguma estabilidade que a matemática tantas vezes parece querer dar aos sentimentos e vontades de geometria tão variável. No final da história, bem vistas as coisas, tudo parece encaixar-se: não numa certeza de números que se esgota, mas numa necessidade de quem aprova um plano se poder entender. Puxa daqui, puxa dali, num documento que parece estar orquestrado pelos números, está, aparentemente também e regressando à Verba e ao Verbo, orquestrado pelas palavras que reflectem ideologias. Como se nos mandassem a todos contar ovelhas para saber quantas são, esquecendo que esse é um exercício que serve só para nos embalar.