23.10.18

Do beijinho ao bei-jajão tudo cabe numa nação

Com o resultado, do nível nacional, para o Orçamento Participativo ficámos esclarecidos quanto aos lobbies relevantes para parte do povo português, a mais empenhada em contribuir para o bem-estar do próximo: os pró e anti touradas e os lambareiros de doces. Tudo isto terá muito a ver com o que grande parte das pessoas, interessadas em ouvir discutir também assuntos sérios, consome na TV. E nem precisamos de sair do canal público para termos dois casos exemplares: o Prós e Contras, com fim anunciado e uma pontinha de esperança minha de que não volte, seja naquele formato ou pior ainda; e o Fronteiras XXI. Ora foi precisamente do primeiro destes programas que saiu a mais recente fonte de troca de “piropos” nas redes sociais ao bom estilo português. Ou seja, aquele que mistura em si, para as medidas públicas que lhe parecem pessoal e vagamente injustas, uma forma de contestação copiada do oprimido pelos 48 anos de ditadura que continua a ser promovida por certas forças, e a igual forte convicção de que o que era mesmo preciso era outro Salazar para endireitar o País.

Pois o assunto gira à volta da intervenção de alguém que julga que a sociedade portuguesa já está apta a que se dê a cara e o nome quando se fala em público, sem esborratar ou distorcer a identidade, da vida íntima do cidadão comum. Está visto que não. Que ainda só vamos no patamar de falar destas coisas sobre as figuras mesmo públicas, as que ganham parte da sua vida com essa exposição. Quem queira ousar equiparar-se, toma lá com a chacota e o enxovalhamento para aprenderes que isso é terreno onde é reservado o direito de admissão! Bom, mas adiante, que o assunto não mete bolinha vermelha no canto superior direito do ecrã, desses falarei noutra altura, já que o assunto de hoje trata do simples...beijo!

A banalização do beijo em certas culturas, nomeadamente na popular portuguesa, é uma realidade. E eu, esclareça-se já, sou contra. Não militantemente para não passar por malcriada ou para não criar desgostos aos de quem gosto muito, e também a quem, naturalmente, não retribuo violentada o beijo, e sim como reacção natural porque recíproca. Mas também, em muitos casos, sobretudo nos que não quero passar por malcriada, sei bem que a nossa cultura, bem impregnada do caldo judaico-cristão, tem muito de Judas em várias reacções. Há várias situações em que seria um favor a todas as partes evitar-se essa manifestação de afecto. Era isso e, já agora mas por motivos diferentes, conseguir passar pelo PR sem ter de apanhar uma beijoca folclórica em que as suas aparições populares já descambaram. Beijos transformados em pechisbeque, só jajão. Sendo contra a banalização do beijo, admito a violência que será para as crianças obrigar a dar um beijo, quando ainda estão há tão pouco tempo impregnadas do boião de cultura que mistura pró e anti touradas com lambarices. Não me lembro se alguma vez violentei assim os meus filhos, sempre que os ensinei a retribuir cumprimentos ou a cumprimentar de cara alegre e bons modos as pessoas ao pé de quem chegavam. Se o fiz, não devo ter certamente promovido o afecto das “minhas” crianças por tais pessoas.

Quanto aos que se encanitaram com a intervenção na TV do outro senhor que usou um exemplo extremo, como é de resto tudo o que é violento, só me resta lamentar não se ter percebido a sua mensagem, certamente muito desfasada das práticas culturais portuguesas. E pelo que de triste há em obrigar a ter afectos que não são conquistados por uma saudável e bem sólida relação cordial, que é a que vem do coração. Até a Capuchinho Vermelho que gostava tanto da Avó desconfia daquela velhota estranha que se faz passar por ela. E tinha razão!