26.6.18

No meio do caminho tinha um centro comercial


Diverte-me sempre muito nascerem discussões pintadas de ideologia em torno de centros comerciais. Ou de feiras, já agora que estamos no meio da anual feira eborense. Diverte-me o amplo consenso a que um executivo municipal, com maioria absoluta que usa no que lhe interessa usar sem dar cavaco a ninguém, faz apelo sobre a construção de um centro comercial. É que não vá o diabo tecê-las, a coisa ser um fiasco, e haver assim com quem repartir desculpas. Pois, como todos sabemos (todos os que vendem e os que compram), os negócios são o que de mais arriscado há numa sociedade onde o capital rege todos, até aqueles que tanto o acusam e usam para manter acesa uma luta de classes de que precisam na contemporaneidade. E depois há aquela oposição que prefere enredar a sua posição para não ter que vir a assumir responsabilidade de coisa nenhuma, tão certos estão de controlarem o futuro que, vão prometendo sempre, seria com eles um amanhã cantante, com ligeiros nuances da oposição que conseguiu a posição de governo e onde se fazem oitos com pernas de noves para dizer que se quer sempre dar tudo a toda a gente. Menos ao patrão, claro. Esse que se desembrulhe que é rico. Pelo menos até ao dia da falência e dos salários em atraso.

O que interessa a um município em que investidores privados queiram nele fazer o seu negócio? Que este reverta a favor dos seus munícipes, claro. Bons acessos, melhor trânsito, até espaços mais bonitos à volta. Que essa reversão não implique nem perda de uma identidade - se essa for realmente forte e agregadora dos munícipes que aí permanecem e não desertaram ainda -, nem menor qualidade de vida. Um centro comercial, se for uma coisa tão bem feita como todas as coisas que estão em espaços públicos e de uso o mais comum possível devem ser, encaixa-se em qualquer espaço que o torne sustentável e que beneficie com a sua presença. Tenham ou não monumentos ao lado. Aliás, há edifícios modernos de usos múltiplos e até muito comerciais que, mais cedo ou mais tarde, serão certamente candidatos a tornarem-se património de interesse do local onde estão. O património de hoje foi construído ontem, o de amanhã será o que acrescentarmos àquele e que é de hoje. Não percebo o que há de obscuro nesta fórmula, para além de uma vontade incontrolável de olhar para o futuro com a nuca.

A aparentemente renovada discussão e necessidade de amplo consenso em torno de um segundo centro comercial em Évora, diverte-me quase tanto como o anunciado cinema no canteiro, ali para os lados do terminal rodoviário, e de tão bom que era nunca por ali estacionou. Agora já é tarde, claro, que para cinema pop-corn já temos salas lá mais para a zona industrial, onde a cultura que se sustenta a si própria, ou pelo menos tenta, não tem preconceitos em estar porta com porta com o operariado. Tal como me diverte a também adiada discussão. sempre à procura de um obviamente inexistente amplo consenso terrestre ou galáxico neste tipo de assuntos, em torno de uma feira anual de comes e bebes, farras e rifas, toiros e fados, cacos, trapos e carrosséis, do “vê e sê visto”. É sempre uma boa maneira de se ir passando os restantes 355 dias de um ano. É sempre não deixar de existir aquela enigmática e polémica pedra poética que tinha no caminho escrito por Carlos Drummond de Andrade. E onde uma pedra ou é ou não é só uma pedra.  Enquanto pensam nisto, vão à feira se forem de ir à feira e, se não forem, fiquem contentes com os que gostam que ela resista, ano após ano. Mal não faz.