3.4.18

Humor(es)


Ainda não tinha chegado a Semana Santa e já em Portugal, à margem de assuntos ditos mais sérios, aconteceram dois momentos em que se protagonizaram piadinhas por parte de individualidades de quem se esperava que o sentido de humor correspondesse à elevação que devem querer dar aos cargos que ocupam na sociedade. Os casos interessam-me porque, para além de tudo o resto, vêm confirmar-me a importância que dou ao que se passa nas margens do que muitas vezes se tem como unicamente importante por estar no centro das atenções e que, afinal, pode até funcionar como forma de distrair do que se passa “à margem”.

O primeiro caso aconteceu com o Presidente da República num encontro com autarcas, enquanto posavam todos para a fotografia. Cito aqui exactamente o texto onde li a transcrição do momento, um verdadeiro tesourinho de mau-gosto: “Já pensaram? Uma bomba aqui era uma crise nas áreas metropolitanas”, atirou Marcelo, acrescentando: “A única vantagem é que libertavam o Presidente”. Por esta altura, Marcelo já tinha colocado um sorriso no rosto dos autarcas, mas prosseguiu: “Mas já viram o funeral que era? (…) de urnas em fila. Os Jerónimos não tinham capacidade”. “Isto é uma conversa entusiasmante”, notou Fernando Medina, entre risos. Marcelo não desiste da piada: “Havia um problema de mobilidade … Como é que era possível a saída?”

Já o outro momento, protagonizado por figuras das extremas, direita e esquerda, é bastante revelador e merece-me registo. Até para que não se diga que o uso do humor não revela o que vai dentro das cabeças das pessoas que o fazem, o lugar onde nascem as ideologias e donde saem, através das palavras e dos gestos.  Mais uma vez, cito como li: “o fundador do Bloco de Esquerda, comentava a ambição eleitoral da líder do CDS quando disse que esse partido “pode ter esta coisa da modernidade, é muito moderno, até tem um dirigente que diz que é gay, ai que moderno que ele é”. A referência irónica à homossexualidade assumida por Adolfo Mesquita Nunes, vice do CDS, mereceu resposta do próprio no twitter e também com ironia: “Os meus suspensórios são muito mais giros, essa é que é essa”.

Com a morte e a orientação sexual, dois temas sérios e reais, fracturantes ou agregadores, o humor é relativamente frequente, feito ou por gente comum ou por profissionais – os humoristas - e, por vezes, até circula entre quem é visado pelas piadas numa nota evidente de autoconfiança. Daí a que seja um Presidente da República a “brincar” com situações de terrorismo, a actual forma de guerra mundial, de que nenhum de nós está livre de ser vítima; ou que seja o fundador de um Partido que parece sempre reclamar para si o monopólio dos direitos e defesa contra a descriminação por orientação sexual, a usar como argumento político uma piadinha a roçar o piropo ofensivo, vai uma grande distância. Não podem reclamar-se como modelos de comportamento, querendo com isso ser representantes do bom-senso, e depois terem estes deslizes. Se não basta parecer e se tem de ser, também não basta ser também se tem de parecer. E, neste equilíbrio, a alguns nem a sombrinha, nem as sapatilhas aderentes parecem evitar a queda. Resta saber de que fibra é feita a rede que os ampara: se de fios de gente assim gracejadores, se de nós de gente com dois dedos de testa que valoriza o tento na língua.