Ainda não
tinha chegado a Semana Santa e já em Portugal, à margem de assuntos ditos mais
sérios, aconteceram dois momentos em que se protagonizaram piadinhas por parte de
individualidades de quem se esperava que o sentido de humor correspondesse à
elevação que devem querer dar aos cargos que ocupam na sociedade. Os casos
interessam-me porque, para além de tudo o resto, vêm confirmar-me a importância
que dou ao que se passa nas margens do que muitas vezes se tem como unicamente
importante por estar no centro das atenções e que, afinal, pode até funcionar
como forma de distrair do que se passa “à margem”.
O primeiro
caso aconteceu com o Presidente da República num encontro com autarcas,
enquanto posavam todos para a fotografia. Cito aqui exactamente o texto onde li
a transcrição do momento, um verdadeiro tesourinho de mau-gosto: “Já pensaram?
Uma bomba aqui era uma crise nas áreas metropolitanas”, atirou Marcelo,
acrescentando: “A única vantagem é que libertavam o Presidente”. Por esta
altura, Marcelo já tinha colocado um sorriso no rosto dos autarcas, mas
prosseguiu: “Mas já viram o funeral que era? (…) de urnas em fila. Os Jerónimos
não tinham capacidade”. “Isto é uma conversa entusiasmante”, notou Fernando Medina,
entre risos. Marcelo não desiste da piada: “Havia um problema de mobilidade …
Como é que era possível a saída?”
Já o outro
momento, protagonizado por figuras das extremas, direita e esquerda, é bastante
revelador e merece-me registo. Até para que não se diga que o uso do humor não
revela o que vai dentro das cabeças das pessoas que o fazem, o lugar onde
nascem as ideologias e donde saem, através das palavras e dos gestos. Mais uma vez, cito como li: “o fundador do
Bloco de Esquerda, comentava a ambição eleitoral da líder do CDS quando disse
que esse partido “pode ter esta coisa da modernidade, é muito moderno, até tem um dirigente que diz que é gay, ai
que moderno que ele é”. A referência irónica à homossexualidade assumida
por Adolfo Mesquita Nunes, vice do CDS, mereceu resposta do próprio no twitter
e também com ironia: “Os meus
suspensórios são muito mais giros, essa é que é essa”.
Com a morte e
a orientação sexual, dois temas sérios e reais, fracturantes ou agregadores, o
humor é relativamente frequente, feito ou por gente comum ou por profissionais
– os humoristas - e, por vezes, até circula entre quem é visado pelas piadas
numa nota evidente de autoconfiança. Daí a que seja um Presidente da República
a “brincar” com situações de terrorismo, a actual forma de guerra mundial, de
que nenhum de nós está livre de ser vítima; ou que seja o fundador de um
Partido que parece sempre reclamar para si o monopólio dos direitos e defesa
contra a descriminação por orientação sexual, a usar como argumento político
uma piadinha a roçar o piropo ofensivo, vai uma grande distância. Não podem
reclamar-se como modelos de comportamento, querendo com isso ser representantes
do bom-senso, e depois terem estes deslizes. Se não basta parecer e se tem de
ser, também não basta ser também se tem de parecer. E, neste equilíbrio, a
alguns nem a sombrinha, nem as sapatilhas aderentes parecem evitar a queda.
Resta saber de que fibra é feita a rede que os ampara: se de fios de gente
assim gracejadores, se de nós de gente com dois dedos de testa que valoriza o
tento na língua.