Do longo processo que é a escolha do Presidente dos EUA,
sobretudo numa eleição e não numa reeleição, e a que estamos a assistir este
ano, podemos aprender muito sobre o mundo da cultura política em Democracia, a
vários níveis e escalas. Para além do facto de o sistema ser presidencialista
e, portanto, o Presidente ter uma função governativa mais vincada do que o
Presidente da República em Portugal, o modo de eleição de um ou uma candidata diz
muito dos candidatos e dos eleitores, mesmo num caso em que são complexas
etapas em que se vota em quem vai escolher, no final, os que vão decidir quem
será a ou o Presidente. No fundo, nos EUA toda uma máquina de lobbying, redes e
conexões surge mais sistematizada e escrutinável, quando todos sabemos que em
qualquer processo em que se reúnem apoios há este tipo de movimentações, com
maior ou menor uso de valores pelos quais se distingue o carácter da
verticalidade que se espera que quem mande tenha. Por se tratar dos EUA, uma
potência mundial (económica, militar, cultural) até o Papa, outro Chefe de um
Estado, veio fazer o gostinho ao dedo na avaliação de um dos candidatos e em matéria
onde é autoridade como poucos: o que é ser-se um bom cristão.
A maior parte das vezes, o Colégio Eleitoral norte-americano segue
a tendência dos votos populares, no entanto por quatro vezes ao longo da
História os delegados escolheram um candidato não escolhido pelo voto popular. A
mais recente, no ano 2000, o candidato democrata Al Gore teve mais votos
populares que o republicano George W. Bush, porém Bush teve mais votos no
Colégio Eleitoral e acabou por ser eleito Presidente dos Estados Unidos. É
complicado? É. Talvez por isso sejam relativamente poucos os cidadãos
americanos que se envolvem neste processo, não sendo de participação
obrigatória, o que dá que quem não se mexe para eleger quem lhe parece melhor
preparado para o assunto, acaba por ser governado por quem não quer, de forma
algo conivente. E pode dar, de facto, a sensação de que o que cada cidadão faz
pelo assunto conta menos. Mas não. E é isso que é interessante neste processo
da mais antiga Democracia do mundo, quase simbólico: é que o que qualquer
cidadão de um sistema democrático, onde quem manda nesse país é quem os
cidadãos escolhem para mandar, faz, diz da saúde política desse país.
Escolher o cidadão mais popular, ou que se diz capaz de ser
mais popular, em vez do que é melhor político e que tem melhores condições para
fazer um trabalho sério em benefício do colectivo a que concorre para presidir,
não me parece dizer também muito sobre quem faz a escolha. Sobretudo se se
utiliza a desculpa de que os políticos experientes são uma espécie de cidadão a
evitar, como se não os houvesse, desses a evitar e com quem nós nos cruzamos às
vezes, em todas as ocupações, funções, profissões.
Fazer uma escolha assim, com base num discurso de
paraíso perdido a recuperar, porque há quem o utilize e promova quando mais
nada tem a acrescentar até pela sua conduta, é próximo de um pensamento ingénuo
escondido numa aura de inocência imaculada. Quanto a isto mesmo, a esta
confusão, o Vergílio Ferreira dizia: «Ingenuidade é um modo de se ser inocente.
Infantilismo é um modo de se ser idiota. Faz a sua diferença.» E era bom que a
idiotia se desmascarasse bem cedo quando, em passes de oportunismo, se candidata
a ser poder.