Ainda a propósito da malfadada triste realidade, e não apenas
mero caso, do BES, nesta semana que passou ouvi dois “Miguéis”, um ex, outro
ainda, deputados da AR, a utilizarem a expressão ring-fencing. Achei-a bonita, embora tenha estranhado que o Miguel
do PCP a retomasse do discurso do outro Miguel, o do PSD, sabidas que são as
divergências que afirmam entre o ser, o estar e o fazer destas duas forças
políticas. Mas mais estranhei que utilizasse tal estrangeirismo um eleito pela
esquerda nacionalista, que podemos assim classificar pela forma como se exprime
em tudo quanto é cartaz – como aliás os novíssimos outdoors do PSD. E, portanto, estranhei o vocabulário pouco
nacional relativamente à alma lusa onde tanto se revê a atual coligação CDU.
Coligação que, engenhosamente, se “des-coliga” na AR, retomando os Comunistas e
os Verdes as suas supostamente verdadeiras identidades, duplicando todas as
benesses a que assim podem aceder (e presumo que obrigações também, claro). Mas
adiante.
Independentemente do jovial diálogo que os Miguéis travavam,
em lados ditos opostos agora mas não sem alguns outros pontos que tiveram em
comum, e consertando-se, na sua vida parlamentar passada, ficou-me a expressão ring-fencing a tilintar no ouvido e a
curiosidade em conhecê-la melhor. Cito-vos, pois, em segunda mão e através de
um acessível jornal eletrónico que trata sobre o mundo dos negócios, um pequeno
relato do episódio que ouvi em excertos nas rádios nacionais. Era, então, uma
vez neste março primaveril na AR, e cito: «"Separei sempre a actividade de
director-coordenador de 'research' do BES e a actividade enquanto
parlamentar", afirmou o actual presidente da AICEP na comissão parlamentar
de inquérito à gestão do BES e do GES. Frasquilho disse aos deputados, muitos
deles antigos colegas de quando estava no Parlamento, que nunca tomou parte em
matérias relativas ao sector financeiro. Nesses temas, garantiu, votou sempre
alinhado com o seu partido, o Partido Social Democrata (uma informação que o
deputado comunista Miguel Tiago defendeu não ser totalmente verdade). O
ex-deputado garante que, adoptando essa postura, acabou por votar em aspectos
que iam contra os interesses da banca como a sobretaxa ao sector financeiro ou
o chumbo do PEC IV, em 2011, que ia contra o que era pedido pelos banqueiros.
No BES desde 1996, a convite de Manuel Pinho, Frasquilho afirmou que a
separação de funções sempre foi "muito bem" conseguida. E
acrescentou: "quer numa quer noutra, era economista". "Sempre
prezei muito a minha integridade". "Fazia parte do meu ring-fencing", também foi uma das
respostas a questões sobre a ligação entre o banco e o Parlamento.». Fim de
citação.
Ora ring-fencing, que se pode traduzir à letra por anel-que-cerca,
traduzir-se-á no contexto dos mundos cruzados da finança e política, como uma
ou um conjunto de medidas de proteção, isolamento ou separação. Mas soa na
minha gramática poética a limites bucólicos. Tipo vedações ecológicas,
permeáveis à circulação das espécies entre os ambientes onde vivem e se
reproduzem, em equilíbrio necessário a um ecossistema propício à sobrevivência.
Ring-fencing está ligado à proteção,
daquele que o cria à sua volta, bem entendido. E parece indicar-nos um caminho
possível para uma das grandes utopias do mundo contemporâneo e que é conseguir ter
o melhor dos dois mundos. Nada a opor a esta busca virtuosa do meio-termo,
quando ela é mesmo virtuosa, ou seja quando nos induz, de espírito e forma
constante, a exercer o bem e evitar o mal. Não é coisa que se faça assim “com
uma perna às costas”, isto de termos o melhor para nós sem prejudicar os
outros… E ele é capaz de haver para aí mais praticantes do ring-fencing que esquecem este detalhe do que imaginamos! Às
tantas, para voltarmos ao bucolismo da vida campestre, são só hábeis talhantes
que “matam dois coelhos de uma cajadada só” Vamos estar atentos.