Vou falar de bolos. Ou melhor de sobremesas e metáforas que
tantas vezes encontramos, normalmente para elogiar (mas há surpresas) quem
colocamos em ponto de comparar pelas boas qualidades da doçura. Já todos, uma
vez ou outra e sem ser preciso irmos para muito longe de casa, nos deparámos
com doçaria que, sendo idêntica, tem nomes diferentes atribuídos por quem a
saboreia e confeciona. E depois também há aqueles que, por julgarmos que têm
nome na língua ou alguma referência do país que visitamos, não conseguimos
encontrar em pastelaria nenhuma quando estamos de viagem. Lembro a “bola de
Berlim” que encontramos não na capital germânica, mas bem aquecidinha pelo
astro-rei nas areias de Portugal e recordo-me eu, sempre com um sorriso, um
momento em que, em viagem a Paris com colegas de curso, um deles insistiu numa patisserie em perguntar pelos duchesses que tanto apreciava e que
queria, julgava ele, provar no país de origem. Ora sendo a palavra francesa traduzida
por “duquesa”, apressou-se o empregado de balcão, em tom jovial e surpreendido
pela pergunta sobre um bolo de que nunca tinha ouvido falar, a perguntar-lhe se
ele não preferiria uma “marquesa” ou uma “condessa”!
Em Portugal temos também o nosso “pastel de Belém”, que fora do
local secreto e mágico onde tem origem este nome próprio ganha o nome comum de
“pastel de nata”. Ao que parece a moleza silenciosa do recheio desta iguaria,
já que não creio que seja o seu sabor único ou a estaladiça massa folhada a
evocá-lo, darão a alguns a oportunidade de alcunhar assim um vizinho, figurão
de Estado que nunca se engana e raramente tem dúvidas, que mora a uns metros da
fábrica de pastéis de Belém. É assim algum humor que nos ensina que, para não
chorarmos, por vezes temos mesmo de rir.
Inspirou-me esta crónica, não algum desejo de adoçar a boca
que na precaução do controlo das calorias resolvi fazer com palavras e sem
açúcar, mas por me ter cruzado, nas redes sociais, com uma daquelas publicações
originais dos amigos que fazem boa companhia nestes lugares virtuais, com quem
aprendemos e rimos, com mais elevação do que muitos, mais avessos a estes novos
salões de tertúlia possam julgar. O colega, amigo virtual recente, escreveu no
seu mural à maneira de muitos slogans que desde o 7 de janeiro circulam o
seguinte: «Je ne suis pas parfait.
(Tradução: Eu não sou uma sobremesa gelada.)» A alusão da piada é clara quanto
à imperfeição confessa de outra figura de Estado que, nos últimos dias tem
andado às voltas com o seu passado, a ouvir das boas de todo o lado,
respondendo de olhos em alvo e sobrancelhas em arco de espanto e remetendo-se à
condição de pecador que se enganou e teve dúvidas, num caso em que não lhe é
admissível arranjar desculpas, por melhor que seja a narrativa que nos quer
impingir.
O parfait é precisamente uma sobremesa gelada, que não vai ao forno,
feita à base de natas, ovos e um cheirinho de licor, compota de fruta ou frutos
secos, baunilha e sabe-se lá mais o quê. Só o nome nos faz antever o prazer de
a saborear. A perfeição é pois apreciada como uma iguaria merecida em final de
festim. Uma espécie de cereja em cima do bolo… Mudando de registo gastronómico
para a atualidade nacional política: não julgue quem evoca a imperfeição como
desculpa da aldrabice pensada que nos engana com falinhas doces. Afinal, são
sopas depois de almoço.