A simpatia devia ser obrigatória quando não é inata. Não
sendo, arranjamos-lhe equivalência a civismo, talvez e para arranjar
terminologia académica em época de exames. Não é a mesma coisa mas já dá para
passar no trato quotidiano em que pessoas têm de interagir umas com as outras. Também
lhe pode valer a cordialidade, cuja etimologia até está próxima do coração, ou
a atenção, mais cerimoniosa. Mas são tudo áreas afins, também com a sua dificuldade
em se adquirir ou, em algumas circunstâncias, estando lá, de demonstrar. Já a
simpatia tende a ser mais natural e por isso cultivá-la podia bem ser uma forma
de tornar a vida em sociedade mais fácil.
O Vergílio Ferreira, que não ficará seguramente para a
história com a imagem de um homem simpático, mas para quem o lê e pela forma
como se afirmou no panorama cultural português isso já não interessa nada,
escrevia que "Não se tem simpatia se não houver seja o que for de
admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade." Esta simpatia é a dos
sorrisos e restantes gestos que não são de fachada, mas que vêm de dentro
independentemente de se sentir a tal admiração para com quem se é simpático ou
porque, no sentido inverso, não se sendo espontaneamente simpático o outro com
quem lidamos nos “obriga” a uma atitude simpática. Essa de que fala Vergílio
Ferreira será aquela para a qual muita gente de difícil trato se deve então
reservar, poupando-se no dia-a-dia, em tolerar ou apiedar-se dos outros com
quem se cruza ou, mais sinceramente, sendo antipático, com todos os riscos daí
decorrentes.
Quem está pouco habituado a lidar com a simpatia dos outros
dificilmente se torna simpático se não o for já intrinsecamente, e isto por
razões várias e tantas vezes compreensíveis pois das amarguras de cada um só o
próprio sabe. Lá se disfarça às vezes, e ainda bem, com o civismo, o que faz
com que muitas vezes esse esforço seja meritório. Já a tolerância e a piedade
de que fala o autor, e que facilmente se confundem com simpatia, são em meu
entender equivalências diretas para querer lidar o menos possível com quem as
sente ou pratica.
Falo também de cultura da simpatia porque tantas vezes essa
característica é tomada numa forma coletiva e atribuída a determinados povos ou
comunidades, e até usada no marketing turístico. E este é um assunto
recorrente, nesta época do ano quando folheamos brochuras de destinos
turísticos. Confesso que acho essa distinção coletiva altamente promotora de
comportamentos algo xenófobos e a roçar o incentivo ao comércio da banha da
cobra. É uma espécie de contrafação do que é a simpatia enquanto característica
humana e, porque não até dizê-lo e esticar o universo de convivência, do reino
animal. Quando assim é, a simpatia afinal não é sequer por admiração, nem mesmo
por tolerância ou piedade. Não é um traço de sentimento mas uma técnica de
manual. Por isso também, quando as coisas me correm mal com quem tem no seu CV
essa característica de simpatia por decreto, lá consigo pensar “ao menos foi
simpático”. Sim, porque há quem ache que
a simpatia é incompatível com a sinceridade, a honestidade ou a transparência
e, de facto, pouco tem a ver com estas características. E se uma não disfarça a
falta das outras, as outras podem, e devem digo eu, coexistir com ela sem a
desvalorizar. Cultivar a simpatia é, afinal, todo um complexo programa de
crescimento que não só beneficia os outros como nos faz bem a nós.
Cultivemo-la, então.