Estarmos na Europa é para a esmagadora maioria dos europeus,
uma realidade em segunda mão, já que muito pouco se conhece dela diretamente, a
não ser que se seja, ou tenha sido, emigrante, estudante ou viajante. E mesmo
assim conhecemos aquele outro lugar da Europa que não o país de origem e não a
Europa no seu todo. Falo do contacto não apenas turístico, mas de convivência
com pessoas e instituições que podemos conhecer in loco ou que nos visitam e, ainda que neste caso em segunda mão também,
são um contacto mais direto do que o feito pelos meios de comunicação de massas
que assumem o importante papel de grande janela para o mundo. À falta desse
contacto mais direto, podemos ainda assim, e fruto da tecnologia,
considerar-nos historicamente privilegiados por podermos ir lá sem sair de casa.
Quando temos a oportunidade de conhecer diretamente essa
realidade a que somos estranhos e que nos é estranha, a nossa maneira de nos
vermos acaba por ser influenciada. E tantas vezes até melhoramos a imagem que
temos de nós próprios, por comparação com o que conhecemos dos outros. Ou,
noutro sentido, podemos melhorar aplicando o que vemos de melhor nos outros do
que o que temos em nós. Provavelmente, também é por estas e outras que viajar é
uma espécie de ritual quase religioso dos nossos tempos ou o sonho dos que, não
o conseguindo fazer, transformam a viagem na peregrinação que um dia gostariam
de realizar. Certo é que, desses contactos, não são unânimes as opiniões e
todos acabamos por ter a nossa própria impressão sobre esse mundo estrangeiro.
Confesso-vos que o outro país que melhor conheço é a França.
Não porque à semelhança de uma imensa quantidade de portugueses tivesse estado,
eu ou a minha família, emigrada ou refugiada em França (como aconteceu a muitos
homens no período da guerra colonial), mas porque os meus estudos de Francês
assim me foram levando para aquelas bandas. Fui, no primeiro ano de existência
do programa Erasmus, aluna em Bordéus, no tempo em que a bolsa era
contabilizada em écus, nome de moeda
que acabou por não vingar e dar lugar ao Euro. Já lá tinha ido, a Paris pois
então, de excursão, primeiro familiar, depois em grupo de colegas. Mas a
experiência daqueles três meses como aluna em França, em que conheci com
colegas uma parte do país, e onde voltei a ir, lá está quase como em
peregrinação, a Paris, convivendo com outros estudantes europeus, marcou-me de
tal maneira que voltar a França é sempre uma espécie de viagem a um lugar de
afetos passados que faz com que nos sintamos em casa, ainda que com a ótima
sensação de termos ido “arejar”.
O Montesquieu, que nasceu perto de Bordéus e foi morrer a
Paris, entre 1689 e 1755, e escreveu as Cartas
Persas, obra que eu tinha estudado na faculdade, fez um relato imaginário,
em romance epistolar, sobre a visita de dois persas a Paris, durante o reinado
de Luís XIV e que vão descrevendo tudo o que veem em Paris, criticando os
costumes, as instituições políticas e os abusos da Igreja Católica e do Estado
absolutista na França daquela época. Disse também Montesquieu que «As viagens
dão uma grande abertura à mente: saímos do círculo de preconceitos do próprio
país e não nos sentimos dispostos a assumir aqueles dos estrangeiros.»
Da Europa, neste momento, não recebemos apenas notícias
diletantes ou críticas acutilantes do que por lá se vai passando. Temos o
direito e a responsabilidade de enviarmos quem, em nossa representação, tenha
um papel ativo na legislação e arbitragem do que, como um conjunto de nações
convencionalmente unidas, pode influenciar a vida própria de cada uma delas.
Sem perder a noção da especificidade de cada árvore, por lá se vai gerindo a
floresta de que fazemos parte, desejando que o que for decidido e implementado em
prol de todos também nos possa beneficiar. No próximo domingo é sobre este
assunto que poderemos ter uma palavra a dizer e a influenciar, através do voto,
o rumo desta união de países. E só com uma expressão significativa da nossa
vontade e empenho pelo bom funcionamento desta instância que nos governa teremos
a força, ao lado dos nossos concidadãos, estrangeiros mas afins, de exigir da
Europa o que exigimos de Portugal ou do concelho em que vivemos. Afinal, tudo
pode passar a ser uma questão de escala.