20.5.14

Europa II

Estarmos na Europa é para a esmagadora maioria dos europeus, uma realidade em segunda mão, já que muito pouco se conhece dela diretamente, a não ser que se seja, ou tenha sido, emigrante, estudante ou viajante. E mesmo assim conhecemos aquele outro lugar da Europa que não o país de origem e não a Europa no seu todo. Falo do contacto não apenas turístico, mas de convivência com pessoas e instituições que podemos conhecer in loco ou que nos visitam e, ainda que neste caso em segunda mão também, são um contacto mais direto do que o feito pelos meios de comunicação de massas que assumem o importante papel de grande janela para o mundo. À falta desse contacto mais direto, podemos ainda assim, e fruto da tecnologia, considerar-nos historicamente privilegiados por podermos ir lá sem sair de casa.
Quando temos a oportunidade de conhecer diretamente essa realidade a que somos estranhos e que nos é estranha, a nossa maneira de nos vermos acaba por ser influenciada. E tantas vezes até melhoramos a imagem que temos de nós próprios, por comparação com o que conhecemos dos outros. Ou, noutro sentido, podemos melhorar aplicando o que vemos de melhor nos outros do que o que temos em nós. Provavelmente, também é por estas e outras que viajar é uma espécie de ritual quase religioso dos nossos tempos ou o sonho dos que, não o conseguindo fazer, transformam a viagem na peregrinação que um dia gostariam de realizar. Certo é que, desses contactos, não são unânimes as opiniões e todos acabamos por ter a nossa própria impressão sobre esse mundo estrangeiro.
Confesso-vos que o outro país que melhor conheço é a França. Não porque à semelhança de uma imensa quantidade de portugueses tivesse estado, eu ou a minha família, emigrada ou refugiada em França (como aconteceu a muitos homens no período da guerra colonial), mas porque os meus estudos de Francês assim me foram levando para aquelas bandas. Fui, no primeiro ano de existência do programa Erasmus, aluna em Bordéus, no tempo em que a bolsa era contabilizada em écus, nome de moeda que acabou por não vingar e dar lugar ao Euro. Já lá tinha ido, a Paris pois então, de excursão, primeiro familiar, depois em grupo de colegas. Mas a experiência daqueles três meses como aluna em França, em que conheci com colegas uma parte do país, e onde voltei a ir, lá está quase como em peregrinação, a Paris, convivendo com outros estudantes europeus, marcou-me de tal maneira que voltar a França é sempre uma espécie de viagem a um lugar de afetos passados que faz com que nos sintamos em casa, ainda que com a ótima sensação de termos ido “arejar”.
O Montesquieu, que nasceu perto de Bordéus e foi morrer a Paris, entre 1689 e 1755, e escreveu as Cartas Persas, obra que eu tinha estudado na faculdade, fez um relato imaginário, em romance epistolar, sobre a visita de dois persas a Paris, durante o reinado de Luís XIV e que vão descrevendo tudo o que veem em Paris, criticando os costumes, as instituições políticas e os abusos da Igreja Católica e do Estado absolutista na França daquela época. Disse também Montesquieu que «As viagens dão uma grande abertura à mente: saímos do círculo de preconceitos do próprio país e não nos sentimos dispostos a assumir aqueles dos estrangeiros.»

Da Europa, neste momento, não recebemos apenas notícias diletantes ou críticas acutilantes do que por lá se vai passando. Temos o direito e a responsabilidade de enviarmos quem, em nossa representação, tenha um papel ativo na legislação e arbitragem do que, como um conjunto de nações convencionalmente unidas, pode influenciar a vida própria de cada uma delas. Sem perder a noção da especificidade de cada árvore, por lá se vai gerindo a floresta de que fazemos parte, desejando que o que for decidido e implementado em prol de todos também nos possa beneficiar. No próximo domingo é sobre este assunto que poderemos ter uma palavra a dizer e a influenciar, através do voto, o rumo desta união de países. E só com uma expressão significativa da nossa vontade e empenho pelo bom funcionamento desta instância que nos governa teremos a força, ao lado dos nossos concidadãos, estrangeiros mas afins, de exigir da Europa o que exigimos de Portugal ou do concelho em que vivemos. Afinal, tudo pode passar a ser uma questão de escala.