Começo desde já com uma citação: «Hoje que tanto se fala em
crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as
nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e
um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para
deixar o campo livre ao novo mundo económico.» Não a citação não é de hoje nem
de ontem. É do século XIX e escreveu-a Eça de Queiroz no jornal Distrito de
Évora, onde o génio de criador terá seguramente influenciado o de analista
político.
Tenho pena se nesta campanha para a eleição de eurodeputados,
e posterior escolha do presidente da Comissão Europeia, não se aproveitar a
oportunidade para se falar às pessoas da Europa em termos históricos. As
campanhas têm de ser momentos de esclarecimento e não apenas de ataques a
políticas que não se conseguem desmascarar numa dúzia de páginas de discurso
que, ainda assim, é o que depois conta nos barómetros dos “fazedores de
opinião”, refletindo-se em sondagens e, expetavelmente, nos resultados
eleitorais.
Também já sabemos que as citações literárias, tão apreciadas
para o discurso solene, quando tocam estas questões políticas, e não são
programáticas como quando saem da pena de autores definitivamente engajados em partidos
políticos, podem servir uma coisa e o seu contrário. “São flores, senhor, são
flores”, perdoem-me a paródia…
Também não será numa, ou numa série de crónicas, que se
conseguirá “explicar” a Europa sem se cair num enciclopedismo de bolso. Ainda
assim, vou nesta primeira crónica, de duas, falar-vos do que me parece
relevante saber sobre a Europa, provavelmente algo muito vago, impreciso e
legitimamente sujeito à crítica de especialistas, mas que talvez vos dê
curiosidade de aprofundar. Ora cá vai, então.
A Europa, mais precisamente a Grécia, é considerada o berço
da cultura ocidental na Antiguidade, espaço temporal que vai da invenção da
escrita à queda do Império Romano. A partir do século XVI, consolidadas as
viagens de descoberta do Novo Mundo, com o início do colonialismo e até ao
século XX, as nações europeias controlaram em vários momentos grande parte do
resto do Mundo. E as duas guerras mundiais foram centradas na Europa, facto que
terá contribuído também para um declínio do domínio da Europa Ocidental na
política e economia mundial a partir de meados do século XX, quando os Estados
Unidos da América e a União Soviética ganharam maior protagonismo, no que ficou
conhecido como a Guerra Fria. A vontade de evitar outra guerra acelerou o
processo de integração europeia e levou à formação do Conselho Europeu e da
União Europeia na Europa Ocidental, que desde a queda do Muro de Berlim e do
fim da União Soviética, em 1991, têm vindo a expandir-se para o leste.
O fator antiguidade é, ou deve ser, considerado muito
importante em vários níveis da Humanidade, desde a história de um indivíduo
inserido numa família, ao de uma nação, com uma história que a gerou. E os
movimentos do tempo, sendo dinâmicos, são muitas vezes cíclicos e “as coisas”
parecem repetir-se. Mas nunca exatamente da mesma maneira, quando conhecemos e
aprendemos com o passado que, ao invés de nos prender, deve libertar-nos para
andarmos para a frente e promovermos alterações, adaptações, num complexo
sistema que tende a constituir aquilo que, de forma abrangente, só encontro
mais concentrado na palavra Civilização. E é a partir das conquistas
civilizacionais, portadores do bem-estar do Homem, que devemos construir
caminho e evitar retrocessos.
Termino com outra citação: «Se eu soubesse alguma coisa que
me fosse útil e que fosse prejudicial à minha família, expulsá-la-ia do meu
espírito. Se eu soubesse alguma coisa útil à minha família que não o fosse à minha
pátria, tentaria esquecê-la. Se eu soubesse alguma coisa útil à minha pátria
que fosse prejudicial à Europa, ou que fosse útil à Europa e prejudicial ao género
humano, considerá-la-ia um crime». Disse-o Montesquieu na França de 1817, o
mesmo filósofo que não entendia a democracia sem a igualdade, conceito, este
último, que agora substituímos, de pés mais assentes na terra, por
solidariedade.