19.3.13

VER II

Ver não é um ato único e isolado e requer, a maior parte das vezes, perspetiva. Falo-vos da atenção que se dá ao detalhe, em detrimento de uma visão de conjunto. O detalhe, parece-me, é tão importante como o aspeto geral. E é muitas vezes no detalhe que conseguimos modificar a ideia, o juízo ou o conhecimento que temos ou fazemos de algo que só conhecíamos de relance e, por assim, dizer, à distância.

Às vezes confundimos o ver-o-detalhe com o ver-muito-ao-pé. Uma espécie de visão de proximidade, chamemos-lhe assim. E explico-vos já, porque a proximidade é um conceito com quem discuto muito. Não que eu tenha alguma coisa contra o contacto, normalmente tido como sinal de afetividade, nada disso e antes pelo contrário, até acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra. Estarmos próximos, e criar laços, não deve toldar-nos a capacidade de vermos para além do que nos está próximo.

É que para manter essa relação difícil entre a proximidade e a equidistância, a que noutro nível e extremando para se perceber a minha reação poderíamos fazer equivaler os conceitos opostos de parcialidade e de justiça, julgo que teremos de encarar as coisas com a tal perspetiva, que é algo que, à partida, quem tem visão consegue adquirir, ainda que em sentido figurado, no fundo o sentido que aqui me interessa.

A perspetiva adquire-se, em meu entender e sem me enrolar em Nietzsche nem estar a dar lições de que não conheço suficientemente a matéria, com algum tempo e com quanto-mais-melhor conhecimento. Sem, obviamente, dispensarmos o uso das celulazinhas cinzentas que Deus nos deu, e os nossos progenitores também, e que vamos tendo a capacidade de usar cada um à nossa medida, muito própria, válida e respeitável. (Às vezes estas celulazinhas são muito bem usadas mas nem parece. Se calhar por lhes faltar juntar uma pitadita de emoção e coração, mas adiante.)

Se o tempo passa lá bem como ele quer e não nos deixa nenhumas hipóteses de o alterar, podemos jogar com ele e pormos o conhecimento ao serviço da nossa aquisição de perspetiva. Aliás, a minha formação profissional, que não posso ignorar nem nego, faz-me pensar no perspetivismo como a técnica narrativa em que os textos apresentam múltiplos pontos de vista sobre uma ação, uma personagem ou mesmo um espaço físico.

É que para alguém tomar uma decisão, ou agir perante um problema, tem de vê-lo como um poliedro, um assunto de vários lados, com faces, arestas e vértices, que é como quem diz condições, histórico e impactos, que é preciso avaliar. Nunca saberemos se uma opção tomada será a ótima. Podemos acreditar que é a melhor. E nunca, quando bem avaliadas todas as opções feitas em determinadas circunstâncias, alterando-se estas, poderemos lamentar tê-las feito se a tivermos feito seguindo este método.

Para a próxima falar-vos-ei da visão que se aprende. Até lá.