12.3.13

VER I

Ver, muito mais do que o sentido que alguns não têm, é nesta crónica o verbo de quem chega com cautelas e pela primeira vez a um mundo novo. Diz-se até que os poetas, com o seu olhar lírico e inaugural sobre o mundo e as coisas, se assemelham à criança que questiona e põe todas as suas dúvidas sobre o que desconhece ou mal conhece. Como o faz a personagem literária tão conhecida de Saint Exupéry, o Principezinho, misto de criança que carrega já sobre si o governo de todo um universo.

Esse lirismo, chamemos-lhe assim, parece-me um bom princípio. Despido de conceitos pré-fabricados ou, pelo menos, com a vontade de ver para crer antes de decidir ou formar juízo. Mas também uma fase de contemplação, uma espécie de enamoramento que pode toldar temporariamente a visão mas que permite que esta seja sempre muito otimista, o que também não me parece coisa ruim.

Mesmo quando um mundo nos aparece às avessas, ou sempre foi assim nós é que não vivíamos lá, este ver lírico permite-nos ter a resistência de sobreviver às ralações. Se o ser inteligente faz com que o Homem, com maiúscula claro!, sobreviva melhor no habitat que cria ou no meio que o envolve, o ser resistente vem-lhe muito mais da emoção e do sentimento, que também são precisos fortes e constantes e acompanhados de quem nos rodeia. Talvez por isso os especialistas nestas coisas deem já tanta importância não apenas ao QI mas ao QE, ou seja, os quocientes de inteligência e emocional, respetivamente.
 
Mas a perspetiva de quem tem de ter uma visão mais global de um mundo que é tão plural, já que composto pelos vários pequenos mundos de cada cidadão ou cidadã, não se pode permitir permanecer por esta fase lírica. Não que perca de vista o caso particular e específico, o detalhe do pessoal, mas porque tem de perceber que o que se fizer por um indivíduo tem que servir para o coletivo. Como se pudesse ser pessoal mas também transmissível.

Estar do lado das decisões, opções e ações que têm uma óbvia repercussão na vida dos cidadãos não é afastarmo-nos deles e sentirmo-nos como os todo-poderosos e como tal os todo-obrigados a resolver tudo, a qualquer preço. E isso não é bem assim. Nem bem, nem mal. Não é assim. Os problemas resolvem-se se não causarem outros problemas. Não por medo de ousar dizer não ou sim, mas com a cautela de quem tem de, de facto, assumir a responsabilidade e agir. É por isso que, nestas e noutras situações de igual responsabilidade, ver não é um ato único e isolado e requer, a maior parte das vezes, perspetiva. É sobre essa visão que falarei para a semana. Até lá.