14.2.12

A piedade sustenta e conserva o que a crueza acaba e destrói

A um político no poder pede-se que governe. Mas da atividade do político faz parte, igualmente, o discurso que profere quando propõe ou toma medidas, quando se explica, e explica aos outros a quem governa as suas ações. As palavras, e a linguagem em geral, são precisamente o meio de expressão de sentimentos, de intenções e de ações. Por isso, as palavras comprometem e pesam quando são proferidas em discurso público ou em diálogo. E é também por isso que quando se espera de alguém que fale e que aja, as palavras e as ações apareçam com uma harmonia ou desarmonia que identifica, e mostra quem realmente é, quem fala e quem faz.

No discurso político fomo-nos habituando ao discurso agressivo de partidários extremistas e revolucionários. Sobretudo às palavras de exaltação da luta e ao insulto. Como se a existência de quem profere palavras deste campo ideológico dependesse única e exclusivamente deste tipo de circunstâncias. Imaginamos que findo, ainda que seja em cenário idílico, o motivo da luta, se esvazie a existência de quem profere as palavras que a ela incitam. É nessas alturas que estão gastas as palavras para aquela ação.

Numa era em que a comunicação é tudo, ou parece ser, o discurso ganha dimensões impressionantes. O que é dito é imediatamente julgado, comentado e terá eventualmente consequências para quem o profere. Mas se as palavras são assim julgadas, o silêncio parece não ter melhor fama. Não explicar, não falar é entendido como desrespeito. Encontra-se pois o governante sujeito a uma única solução: falar com cuidado. É difícil e, por isso, tantas vezes o improviso é uma armadilha.

Esta discursata que tenho vindo a fazer até aqui nasce de palavra proferida por Primeiro-Ministro em oração, que podia ser de sapiência dado o local e a importância do orador, proferida numa instituição de ensino superior, a uma audiência de jovens estudantes. «Piegas» foi o que chamou a uma tendência de comportamento daqueles que o elegeram e para quem governa, os portugueses. A linguagem familiar, populista porque se quer que seja entendida por todos e cria a ilusão de proximidade, é pois todo um programa de encenação. Fomo-nos habituando a este discurso dos liberais que governam agora o País mesmo desde o tempo de campanha, muito embora aquela familiaridade que roçou a grosseria e a boçalidade tenha sido empregue por alguém a quem a avançada idade parecia limitar o prazo de validade e, por isso, ficou na história como fait divers. E afinal parece que o prazo de validade do senhor de nome Catroga foi prolongado…

Também a referência a coisas pequeninas que as mentes que eles, liberais, julgam pequeninas e por isso se torna mais fácil de explicar, como falar de pastéis de nata e frango assado, aconteceram. Como aconteceu sugerir-se uma espécie de “estão mal, mudem-se” disfarçado de “saiam de debaixo das saias da mamã”.

E lembro-me, com alguma nostalgia, da época em que uma anedota de borregos chegou para apear ministro. Mudou-se depressa a tolerância ao insulto à inteligência dos governados. E mudou-se, a meu ver, porque, ao contrário do que poderia parecer, as poucas soluções agradáveis e que poderiam expor-se em discurso não transformaram o discurso, mesmo enquanto ato consolatório que apele à compreensão, para melhor. A não ser aquele que nunca poderá corresponder a uma ação que encontre «A Solução» e apenas mantém na insatisfação quem o ouve, ajudando a encontrar na luta a que se incita uma alegria que eu, pessoalmente, não entendo. Tão insultuoso é incitar o coletivo sofredor a um comportamento destruidor, com um horizonte que sabemos dificilmente mutável porque decorre de escolha feita por maioria, como é insultuoso exigir a quem sofre que se remeta a uma satisfação que obviamente é impossível sentir. E na crítica ao discurso vão encontrar os sofredores a única forma de ir gozando com a inabilidade discursiva de quem, também com inabilidade na minha opinião, toma medidas e age com a legitimidade que lhe demos todos.

Piegas, informou-me uma amiga terá origem em Piedade. E assim sendo, e não havendo explicação mais científica que prove o contrário, ser piegas é um enorme elogio que se pode fazer a alguém. Já diz o Povo que «a piedade sustenta e conserva o que a crueza acaba e destrói». Como não deixar de ser piegas, cada vez mais piegas, assistindo ao que assisto?

Como dizia a minha amiga Célia Costa, e termino citando-a: «Piegas deriva de piedade, não um sentimento bacoco e paternalista perante o sofrimento alheio, mas a capacidade de estar amorosamente atento e ver a realidade através dos olhos do outro. Ser piegas é uma forma de expressar o amor e a sensibilidade que existem dentro de mim. Ser piegas significa que ainda sou gente. Não sou dada a aproveitamentos demagógicos das palavras infelizes do poder, mas irra! até a mim começa a faltar a paciência.»