8.6.11

Pessimismo (crónica da Rádio Diana, 07.06.2011)

E agora, José? É título de obra de Cardoso Pires e mote a que este Autor dá umas voltas num texto autobiográfico intitulado Fumar ao espelho. Nessas confidências do Autor estão reflexões sobre o pessimismo, um substantivo que me assalta de quando em vez, mesmo quando o meu trabalho é caminhar com o optimismo, para que esse caminho possa dar frutos e não erguer barreiras à construção de um mundo melhor ou, pelo menos, uma cidade melhor. Mas também porque o pessimismo alimenta alguns discursos que ganham a sua força com a miséria dos outros, expondo os casos como atracções de feira para dar força a protestos e exigir medidas que só existem no País das Maravilhas, e de que se conhecem alguns retratos mesmo quando só lá se vai a banhos e luxos.   

Diz Cardoso Pires sobre o assunto: «O pessimismo acaba sempre por funcionar como uma superstição de prudência: prevê o pior para ir acumulando resistências contra o mau mas sempre na esperança de que o mau nunca venha a acontecer. E se acontecer, percebes, também já não perde tudo, ganhou pelo menos a glória da razão.» É o que diz José, o Cardoso Pires.

O ponto de equilíbrio entre o pessimismo e o optimismo parece encontrar-se no realismo. Coisa tão difícil de conseguir como a escolha sempre acertada, como a precisão de um percurso sempre escorreito, com resultados sempre óptimos. Mas o realismo é também ter os pés assentes na terra, o que parece ser sinónimo de esperar sem agir. É por isso que julgo que se há um optimismo e um pessimismo, só pode haver vários realismos. Plurais, circunstanciais, mutáveis como os seres vivos. Resultados de diferentes opções de vida, de diferentes visões do Mundo, de diferentes ideais, de diferentes conceitos como, por exemplo, o de Pátria. Escrevia o Vergílio Ferreira «A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.»

Governar vai ser agora também um jogo de equilíbrio entre o pessimismo que nos espera e o optimismo que esperam dos governantes. E os governados? Como se governarão? A escolha foi feita, fez-se uma cruz. E os braços? Ficarão cruzados? O que é que cada um pode fazer se tiver a coragem de pôr mãos à obra e não deixar-se prender numa apatia de espera. Olhar-nos-emos ao espelho, todas as manhãs, e pensaremos não só naquilo que vemos reflectido, mas naqueles que nos esperam lá fora. Poderemos ir só deixando passar o tempo e o dia-a-dia, poderemos ir ajustando os realismos e procurando ultrapassar o pessimismo para um dia podermos afirmar o optimismo.   

Pode ser aguentar e ser-se realista, com esse realismo que tem o efeito semelhante ao do nevoeiro num aeroporto. Ou pode ser agir, num círculo de confiança com outros que sentem os mesmos realismos que nós, encontrar outros que engrossem as nossas fileiras e, na hora certa, quando quer que ela chegue ou que nós a façamos, estarmos lá para receber os louros da tal glória da razão de que falava Cardoso Pires, e que trazem consigo a responsabilidade de agir em conformidade com o que fomos esperando, juntos.

«E com esta me despeço,», diz Cardoso Pires e repito eu, e continua «adeus até outro dia, e que a terra nos seja leve por muitos anos e bons neste lugar e nesta companhia.» E exclama ainda «Pá, apaga-me essas rugas. Riscam o espelho, não vês?». E digo eu: valeu a pena a luta, José, Sócrates, fizemo-la juntos, aprendi com ela e continuo a minha, em boa companhia, espero.