11.4.23

Serviço público, igualdade e proporcionalidade (I)

Nestas próximas três semanas de Abril, a caminho do Dia dos Trabalhadores, falar-vos-ei dos dez princípios de carta ética da administração pública. Não é a primeira vez que a menciono, a esta “tábua” de regras que ajudam as coisas a correr melhor, mas a outra vez já foi há muito tempo e como tem sido grande a conflituosa contestação por direitos no sector público, criando o ambiente social que não nos deixa indiferente, pareceu-me um bom exercício voltar ao assunto. E organizando-o por capítulos, já que também estamos no mês do Livro, em três crónicas assim anunciadas. E hoje é a primeira.

Abre esta Carta a dizer que “Os funcionários [se] encontram (…) ao serviço exclusivo da comunidade e dos cidadãos, prevalecendo sempre o interesse público sobre os interesses particulares ou de grupo.” Com isto percebemos como agem as organizações com consciência do princípio e se concentram em defender direitos de grupos que representam, tal como as há que o ignoram e até excedem a razão da sua existência: por exemplo, ordens profissionais que se transformam em sindicatos, fazendo-lhes concorrência; ou outras agremiações que dão colo a organizações cuja sindicância parece mais interessada em cilindrar os serviços públicos tutelados por certos governos do que outra coisa qualquer. É que, no que diz respeito ao que se espera ser o atencioso serviço público, não se trata aqui de fazer um jeitinho ao primo ou vizinho, ao colega ou sócio do mesmo clube, prática tão comum quanto popular. E sobre isto também se ensina na “tábua” a quem trabalha na administração pública, do Presidente da República a quem desce para trabalhar em catacumbas onde estão serviços que servem todos, funcionários que “não podem beneficiar ou prejudicar qualquer cidadão em função da sua ascendência, sexo, raça, língua, convicções políticas, ideológicas ou religiosas, situação económica ou condição social.”

Sabermos que privilegiar uns pode prejudicar outros não é o mesmo que ignorar especificidades de certos casos que, uma vez resolvidos, até poderão passar a facilitar futuras decisões ou implementar práticas que beneficiem os serviços e, por isso, sirvam todos. De resto, se a ideia é facilitar a vida às pessoas, sem que a rebaldaria seja a consequência em que o jeitinho descamba, quem serve o interesse público deve também saber que “Os funcionários, no exercício da sua actividade, só podem exigir aos cidadãos o indispensável à realização da actividade administrativa.” Isto não só exclui o tal favorzinho que se retribui, e predispõe à opacidade, à ilegalidade e à fraude, como indica uma relação de distância saudável e cordialidade em doses certas entre quem serve o Estado, servindo todos e, consequentemente, a si próprio também.

Voltarei para a semana com outra dose de princípios que, espero, deixem a pensar também quem não é funcionário público, ou seja muito defensor da mítica excelência dos serviços privados. É que ninguém, numa sociedade organizada, consegue dispensar uma constante interacção com a administração pública e muitos dos seus funcionários.