18.4.23

Serviço público, boa-fé, integridade, lealdade e justiça (II)

Prosseguindo na leitura da carta de dez princípios éticos da administração pública, percebe-se o quanto conta o indivíduo num sistema complexo como este grande colectivo que presta serviço a todos e a que chamamos Estado. Quem o governa, ao Estado, sujeita-se a tomar ou a sofrer as dores do que, como um todo ou uma soma de partes muito díspares e hierarquizadas, o constituem. Em especial os que o põem a trabalhar, funcionários de carreira geral ou nas diferentes carreiras especiais que, mesmo especiais, não são poucas. Por isso se espalham mantras que se ajeitam às dinâmicas: ou se escarnece liminar e facilmente o Governo; ou, em pose quase institucional, se poupa o Governo maldizendo apenas os Governantes.

“Os funcionários, no exercício da sua actividade, devem colaborar com os cidadãos, segundo o princípio da Boa Fé, tendo em vista a realização do interesse da comunidade e fomentar a sua participação na realização da actividade administrativa.” diz o sexto princípio. No fundo, esta é a versão da famosa convocatória de Kennedy para que não perguntássemos apenas o que o Estado pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pelo Estado. Era mesmo bom que não esquecêssemos este desafio…

Convocam-se, então, os cidadãos especificamente com funções públicas a regerem-se “segundo critérios de honestidade pessoal e de integridade de carácter”. O que lhes confere o estatuto de modelo de comportamento, sendo a exemplaridade condição essencial, como sabemos, quando queremos que os outros se comportem connosco com igual integridade. Tarefa que obriga funcionários públicos a que “no exercício da sua actividade, devem agir de forma leal, solidária e cooperante.” Isto não quer dizer que em cada serviço exista uma tertúlia de amigos, não senhor. Até convém que não se confundam as coisas, o que leva a que, eventualmente acontecendo essa fusão de profissionais com ligações extraprofissionais, por vicissitudes várias, ela tenha de ser bem gerida pelos implicados. E não terem motivos óbvios para ser alvo automático de críticas que a transformam em amiguismo ou family-gate.

As relações interpessoais, internas ou externas aos lugares e momentos em que as pessoas que servem profissionalmente o Estado, tão socialmente naturais, são uma dificuldade acrescida ao indivíduo no cumprimento do princípio da imparcialidade. Quando se aconselha que “no exercício da sua actividade, devem tratar de forma justa e imparcial todos os cidadãos, actuando segundo rigorosos princípios de neutralidade”, e se todos estivermos cientes disto mesmo, talvez não sejamos tão injustos com quem tende a parecer frio ou intransigente quando está “só” a ser competente. Por muito que tenhamos razões de queixas na nossa interacção quotidiana com serviços públicos, imprescindíveis, talvez seja de considerar que, por muito que se queira fazer parecer e haja quem dê razões para tal, ninguém decretou que o serviço público fosse fácil. E será, seguramente, quer menos difícil, quer mais fiável se todos percebermos os princípios éticos que guiam os que o tomam como profissão. E são muitos.