5.10.21

O Tempo da Democracia

Não consigo deixar de prolongar o comentário aos resultados das eleições autárquicas. Agora mais a frio, com um olho na Praça e outro na história da Democracia. Não tanto a História no incontornável sentido erudito do conhecimento de factos e números, mas no que se oferece à reflexão quando se comparam situações de ontem com acontecimentos de hoje. Impactos de resultados de impactos, no tempo de Kairos que é o que cria os momentos oportunos no tempo de Cronos e permite a construção de projectos.

Não sou das que pense que uma composição dos executivos não maioritária signifique, em teoria, ingovernabilidade. Talvez por já ter estado nas duas situações - governo e oposição - me faça ter a cautela de acrescentar essa condicionante “em teoria”. É que já senti consequências do trabalho de uma oposição que obstaculiza medidas propostas em prol do bom funcionamento das instituições com impacto naqueles a quem serve; como já vi perpetuarem-se más práticas com a viabilização de propostas que tendem a seguir o mais fácil na oportunidade de se melhorar com o gesto mais difícil, empurrando-se sabe-se lá para quando (as agendas são muitas vezes subliminares e corporativas) o progresso.

Sou das que gostava que, no governo ou na oposição, as linhas vermelhas traçadas pelas posições ideológicas que, sem complexos podemos distinguir como direita e esquerda, atentassem na eficácia do sistema democrático que vigora hoje, dependente de um sistema em que nenhum de nós pode escapar ao império do capital. E que essas linhas vermelhas não cortassem ao meio nem oportunidades, nem caminhos que nos levam àquele lugar onde o que corre bem a todos, também me corre bem a mim. Linhas vermelhas que sejam traçadas de humanidade, cercas sanitárias contra a intolerância, a descriminação, a ilusão demagógica. Pede-se uma ética republicana, que já agora se relembra neste dia 5 de Outubro, de futuros que não se construam parasitando o sistema democrático, que é o que lhe fazem os que constroem regimes totalitários aproveitando-se dele para chegar ao poder.

Futuros que nunca serão garantidamente risonhos para todos, como nunca foram, mas onde o processo da prosperidade vai no sentido em que a pensar em todos se vão criando as oportunidades de sorrir, com direitos que melhor se garantem com a exigência do cumprimento de deveres. Que à direita ou à esquerda, as forças responsavelmente democráticas, as gestões mais construtoras de sustentabilidade social (que é para o que contribuem as outras sustentabilidades como a económica e ambiental), sejam fortes e não se deixem derrotar pelos estilhaçadores dos extremos, que apenas sobrevivem de empurrar para o buraco o fio da narrativa e com ela prometer que se chega ao país das maravilhas. Se bem se lembram, é nesse país que, não fosse acordar-se do pesadelo, se cortariam cabeças como sentença sem julgamento sério e pelo facto, sem provas, do suposto crime de umas tartes roubadas.