5.1.21

Ciência, Senciência e Sensacionalismo

 O 2020 despediu-se como foi: um ano em que todos fomos unidos pela primeira grande pandemia do século da comunicação global. Tivemos quase simultaneamente o início da vacinação que permitirá, em princípio, o fim da COVID19 e um extermínio de 540 animais criados numa zona que existe para que nela se matem animais por diversão e não para subsistência e equilíbrio do ecossistema natural. Um crime, já que nem sequer se cumpriu a lei que implica a actividade, a que se chama “montaria”, e que revela bem o ecossistema de mercado em que vivemos.

Foi todo um ano em que as sensações estiveram à flor da pele, com muita palavra e pouco toque. Palavras a que se acrescentaram as incontornáveis imagens, de preferência móveis e sonoras, com efeito formalmente sensacionalista. Não já o sensacionalismo na sua acepção inicial que se prende ao facto menor exacerbado, mas à sua banalização com casos sérios que deveriam prender pela necessidade de agir com ponderação, de forma a que o ruído não aborte a precisão do resultado que evite perpetuar-se o crime, ou a tradição desajustada ao progresso da Humanidade.
Caminhamos, se assim continuarmos, ou a favorecer ambientes em que se tem de agir com discrição que pode descambar em coisas “às escondidas” e, por isso, pouco transparentes, ou a contribuir para deseducar quem está mais vulnerável a este novo sensacionalismo. Sob pena de, se não evitarmos confundirem-se as vozes da razão com as vozes da emoção, ambas com lugar muito importante em momentos e circunstâncias próprias, sermos arrastados por correntes, tão perigosas como hipócritas, de contradição e desumanidade. Falo de tratar com o mesmo grau de indignação, traduzida em discurso emotivo, a morte de um negro americano ou um branco ucraniano às mãos de figuras que representam a autoridade, com a chocante imagem de um troféu de caça ilegal.
Pede-se a quem lida com as Ciências Sociais e Humanas que mantenha o mesmo rigor na sua missão de educar a sociedade, colectivos múltiplos e difíceis, sem ceder à tentação de, em vez de as transformarem em massa crítica, as manterem como turbas ululantes. O mesmo rigor que se pede à Ciência que nos trouxe a vacina contra o SARS-CoV 2 e que esperamos não vir a ser desviada por interesses corporativos. A seguir ao choque e indignação que causa o chocante e o indigno, pede-se a reflexão que as confirme para além da emotividade óbvia. Precisa-se que, depois do choque, se contribua para o reverter em mudança de atitudes, mais do que ficar sem palavras ou compor uma pungente elegia, por mais comovente e bela - e úteis - que sejam o silêncio e o lamento. Pede-se que a Ciência e a senciência não se deixem arrastar pelo sensacionalismo.