24.3.20

Entre a pedra e o precipício

É em momentos graves como o que atravessamos que percebemos a fibra de quem tem o poder que lhe dá direito e dever de decidir. É também nestas alturas que se dão a conhecer os que podem demonstrar se coincide o que diziam fazer com o que fazem: o empenho, a vontade, a capacidade, o esforço com resultados. E não o que dá palpites com o “se fosse eu”, o que não pensa antes de acusar se naquelas circunstâncias faria melhor e, sobretudo, como o faria. Isto, naturalmente, não nos impede de concordarmos ou não com essas decisões, esgrimindo-se argumentos.

O PR decidiu decretar estado de emergência. Disse ele, e cito: “Sabia e sei que os Portugueses estão divididos. Há quem o reclame para anteontem. Há quem considere dispensável, prematuro ou perigoso. Sabia e sei que, em plena crise, as pessoas se sentem tão ansiosas, tão angustiadas, que aquilo que pedem um dia ou uma semana, uma vez dado, é logo seguido de mais exigências ou mais reclamações, à medida que as preocupações ou os temores se avolumam.
Sabia e sei que muitos esperam do estado de emergência um milagre que tudo resolva num minuto, num dia, numa semana, num mês. Ainda assim, entendi ser do interesse nacional dar este passo. “

Pois é, Sr. Presidente, é isso mesmo! Daqui para a frente, com este discurso de muita fé, os mesmos inconscientes que o Sr. satisfez com esta medida (não falo dos cumpridores!), vão continuar a achar que é preciso mais e mais para controlar “os outros”. Que discurso desastroso! Atenção, que não discordo nem deste estado de emergência e muito menos das medidas que apertam a malha aos inconscientes. Que aliás foi o que aprovou a AR. Foi mesmo a patetice do discurso, elogiado por tantos, que me irritou. Nada de novo de um homem que em tempos defendia uma lei em que “é proibido...mas pode-se fazer”. Não é assim que vai combater o populismo. Nem o pagode que, uma vez a salvo, se borrifa nos outros porque tem um PR que gosta muito deles e rebéubéu!... A versão verbal da beijoca e da marcelfie.

Enfim, entre uma série de empedernidos que, nomeadamente nas regiões menos atingidas, ficam à espera que nada de mal lhes aconteça, de preferência erguendo muros vários contra os que vêm de fora; e os que se precipitam para ganhar a eternidade da fama, mas como se não houvesse amanhã; entre a pedra e o precipício, ainda há os que, como vários de ideologias diferentes na AR, legislam seguindo o discurso que toma como princípio as meditações de John Donne, poeta que viveu entre séculos, o XVI e o XVII, com sentido do colectivo: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” É assim que fala quem, percebe o valor e a importância da palavra. É que já percebemos que os problemas de comunicação podem matar e não podem ser desculpas de políticos sérios e a sério.