10.3.20

Ajuizados

Não queria estar na pele de um juiz, embora a função de ajuizar faça também parte da minha profissão. O mais frequente é ajuizar-se em função de regras estabelecidas, dar-se exemplos de respostas acertadas ou cumprirem-se critérios o melhor definidos possível, para que não se mudem, à traição, as regras a meio do jogo. E a opinião, a ser critério, tem de ter argumento sólido. Ainda assim, é difícil: o mínimo deslize pode dar cabo de uma vida.
Parece que, ao contrário do que acontece noutros países, o sistema judicial em Portugal é pouco escrutinado. Tudo parece resolvido não apenas no sigilo que a delicadeza do juízo do crime e castigo exigem, mas num recato contextual que favorece a opacidade. Os casos dos juízes que vieram a público começaram a levantar uma pontinha desse véu e, já agora, podiam fazer-nos estar mais atentos daqui para a frente. É que não há corporações imaculadas e muito menos ungidas contra as fraquezas humanas. Se não forem os princípios que sustentam as instituições, onde está afinal o verbo em forma de “palavra de honra”, a definir os comportamentos ajuizados dos que os queiram integrar, se não forem os princípios a enformar o critério, nada poderá funcionar com credibilidade. E como sabemos tudo isto tem de ser constantemente monitorizado, no que se chama também escrutínio.
Já tivemos o caso Tancos a expor escandalosamente o funcionamento claudicante da instituição militar; agora este escândalo na instituição que aplica a justiça aos cidadãos. Estamos, de facto, na altura de exigir respostas e sobretudo mudanças, porque nada pode continuar na mesma. Sob pena de falsos profetas ganharem adeptos em quem usa apenas os dois dedos de testa que tem para achar que problemas complexos têm respostas simples, normalmente rematadas com pontos de exclamação. E isso seria o pior que nos podia acontecer.
Temos mesmo de aproveitar o facto de o microfone estar apontado para esse tipo de discurso - o populista que chega de todas as direcções - e combatê-lo com a retórica certa. E essa é a que reside indubitavelmente no acto que a palavra designa. Sem os rodriguinhos que as estreitezas - partidárias e corporativas - ainda promovem.