2.7.19

À época ou à data como se não houvesse ontem


De repente, com a época dos exames de 12º ano à porta e prestes a darem-se os concursos de acesso ao Ensino Superior, as notícias não se limitam às vagas disponíveis ou aos cursos com mais licenciados empregados, mas espremem até ao pus o tema das desigualdades sociais na frequência das instituições de ensino superior.

Não posso deixar de pensar que isto se deve ao facto de o governo que caminha para o fim ter sido da esquerda democrática, apoiado pela esquerda radical. A esquerda vive do combate à desigualdade social como a direita vive do apelo à caridade individual, poderíamos generalizar. Isto é sempre um exercício perigoso e injusto, embora sirva para começos de conversas. Sim, porque depois haveria que dizer que, com a esquerda radical, o fim dos pobres representaria o fim de uma importante clientela e que, com os conservadores de direita, o fim das desigualdades representaria um perigo para o acesso exclusivo a determinados direitos elevados a mordomias.

Esta apreciação propositadamente simplória serve para nivelar a perspectiva ao patamar da novidade das não-notícias sobre cursos frequentados por gente da alta ou da arraia-miúda. Porque nesse estudo, ou melhor, para sermos honestos, na divulgação em massa para o público de alguns resultados desse estudo, não houve luz sobre a evolução dos últimos 40 anos. Importava que fosse coisa feita à época ou à data, como se não tivesse havido ontem. Como se viu, ouviu e leu em canais abertos “a escolha de um curso superior, em detrimento de outro, é uma repercussão das desigualdades sociais do país. (...) o acesso ao ensino superior está longe de ser justo. (...) é a principal conclusão a que chega o estudo "a equidade no acesso ao ensino superior", promovido pela Fundação Belmiro de Azevedo Edulog, com base em dois critérios: a qualificação dos pais e a percentagem de alunos que recebem bolsas da ação social.” (TVI24).

Há muito, dos meus quase 30 anos de ensino na Universidade de Évora, que assisto a grupos maioritariamente constituídos por alunos que são ou a primeira ou, menos, a segunda geração da família a frequentar uma Universidade. Há sempre o argumento da interioridade e periferia da minha Universidade, mas quando relembro a minha turma da outra minha Universidade na Avenida de Berna, não deixo de encontrar tantas semelhanças... Cada vez mais me convenço que as desigualdades estão actualmente muito mais à saída do que à entrada, que o abandono é muito mais importante, e por isso imprescindível que seja vigiado, estudado e acompanhado.

No que me toca, é com grande esperança que começo sempre um ano lectivo e o acabo a perceber o quão difícil é fazer com que percebam que não chega dizer-se que “andam na universidade”. É que o levo, ao ano, a dar conselhos ténues e pouco intrusivos, do estilo “digo-vos o que diria aos meus filhos”, porque não quero ser nem caridosa, nem “maternalista”, como nenhuma instituição democrática deve ser. E eu acredito no papel da Universidade para ajudar a melhorar a Democracia. Às vezes consegue-se por frequência, noutras tem de se ir a exame de recurso. Noutras ainda há que repetir até lá chegarmos. Era importante era não desistir, nem apregoar resultados de estudos que não servem para nada. Não os estudos, claro, mas só aqueles resultados que são apregoados como quem repete inchado que “já anda na universidade”. Não chega.