15.1.19

Uma no cravo, outra na ditadura


A expressão adaptada no pós-25 de Abril que foi título de espectáculo de revista, “uma no cravo, outra na ditadura”, foi-me relembrada há um par de semanas. Não a propósito do assunto desta crónica - o “tarantantam” sobre um primeiro chumbo e consequentes forçadas negociações do Orçamento Municipal de Évora - mas a assentar-lhe muito bem.
Como é sabido, a expressão popular original - “dar uma no cravo e outra na ferradura” - que usa o vocabulário de quem prepara cavalos, significa, na sua expressão idiomática, o não comprometimento numa polémica que reclamaria, em princípio, pender-se a opinião, e a acção, para um dos lados. A falha das duas, isto é, tomar partido e agir consoante, para quem trabalha em circunstâncias como as do ferreiro parece admissível, mas a hesitação em defender uma posição contra outra não é tão benevolente na adaptação quer metafórica, quer revolucionária. Pede-se a radicalização, de resto típica do ambiente das revoluções. Da naturalidade própria de quem não faz sempre tudo com os resultados ideais, apesar do máximo profissionalismo e competência, passa-se, na metáfora, à exigência de uma difícil coerência que a actividade política requer, mas que só bafeja políticos sérios e a sério, pois, como talvez não seja sabido por muitos, em Política as circunstâncias alteram-se muito rapidamente e há que ter fibra para lhes resistir de cabeça erguida.
Voltando a Évora: quis-me parecer, das diferentes declarações que li em meios de comunicação mais ou menos convencionais, de várias pessoas com responsabilidades por exercerem cargos políticos, e por isso públicos, e algumas delas até devedoras às forças políticas enquanto colectivo que as ajudaram a serem eleitas; quis-me parecer que o “tarantantam” serviu, no que se vai tornando normal no jogo político mais básico, para revelar a distância que separa essas pessoas, políticos, da verdadeira Política. E sem grande preocupação, ou habilidade, em sequer disfarçarem que seria disso mesmo, da Política, que se devia tratar.
Mas concentremo-nos nas declarações oficiais. A posição da CDU e do Presidente da Câmara é quase só risível. É sabido e provado em actas de há vários anos, para quem quisesse ter a paciência de as procurar e ler, sobre atitudes respeitando a responsabilidade e as que podem reflectir irresponsabilidades nas discussões, negociações e votações de vários Orçamentos Municipais. Da CDU poder-se-ia dizer que já esqueceu a democracia que o cravo simboliza e parece lamentar profundamente que a expressão “maioria absoluta” não seja mesmo sinónimo de ditadura. Isto diz tudo sobre a possibilidade, sabe-se lá por que meios, de alguma vez ser o Comité Central do PCP a comandar os destinos nacionais. Vade retro!
Por outro lado, achei, digamos, “fofinhas” as exigências do PSD do concelho nas negociações para eventual aprovação do Orçamento. Agora a sério, já que o adjectivo “fofinhas” foi mesmo simultaneamente provocador e carinhoso: há duas condições que são, na minha opinião, bastante responsáveis e em defesa do interesse dos Eborenses. Uma delas segue uma solução finalmente proposta pelo Governo no devolver da dignidade a uma escola de Évora que tem sido sucessivamente esquecida, e que a Câmara não contempla como prioridade; a outra, também na área da Educação, que reconhece a importância e as potencialidades, agora mais previsíveis com as restantes medidas para a descentralização de competências para as autarquias, da gestão das Escolas e do seu pessoal não docente. Uma oportunidade para a efectivação do que é a Política de proximidade, tão confundida por tantos com os “jeitinhos” e “favorzinhos”. O meu elogio deve certamente ter também que ver com as novas orientações que aquele Partido parece estar, muito a custo, a tentar tomar. A ver vamos!
Quanto às exigências que o PS propôs, presumo e desejo que com o total apoio dos eleitos nos diferentes cargos autárquicos e com a experiência dos que sentiram na pele as dificuldades da gestão do concelho “abrindo o peito às balas” (apanhando até por vezes, demasiadas, com o hipocritamente chamado “fogo amigo”), revelam o conhecimento do território local e a intenção de melhor fazer na construção da cidadania eborense e pelo progresso dos cidadãos que desejam também servir o melhor possível. Aliás, a rejeição pelo Presidente da Câmara em aceitar uma das propostas, a de um Orçamento Participativo quase simbólico, teve na minha opinião uma leitura plural. Desconfia, o Executivo, da capacidade dos Eborenses para saberem o que escolher no uso a dar a dinheiros públicos, um receio só desculpável se quisermos, nós os que acreditamos na Política para as pessoas, desistir delas e acharmos que os resultados destes processos têm de ser todos parecidos com os do último Orçamento Participativo nacional. E esse só revela o quanto ainda há a fazer pela participação cidadã na vida que lhes diz respeito. Mas essa recusa vem confirmar, só com mais um exemplo, o fachadismo deste Executivo, neste caso quando, volta e meia, ainda exibe o epíteto de Cidade Educadora. É que não só não o pretende ser, trabalho interminável eu sei, como polui o conceito e respectiva aplicação com a sua presença na Rede das Cidades Educadoras, ao lado de outras autarquias, de cores políticas várias e, politiquices à parte, que levam o assunto a sério.
Depois, venham falar-me de cravos…