Este ano, em Portugal, acordámos no Dia da
Criança com a notícia de que, em 2016, 40 crianças em regime de pré-adopção foram
devolvidas aos cuidados do Estado. Não sabemos os motivos, claro está, e
esquecemos de perspectivar os números, porque nem que fosse uma só criança o
motivo para a tristeza privada de cada um já seria suficiente. Mas no plano do
público, importa talvez referir que, nessas condições de pré-adopção, se
encontravam mais de 350 crianças. Aquelas 40 crianças não podem fazer de um só
alguém um Ali Babá ou o seu irmão ganancioso... Houve mais de 300 que fizeram
com que famílias ganhassem crianças (e obrigações, e dores de cabeça, e
condicionantes várias) e que crianças tivessem novas famílias que, desta vez
sim, as desejavam (e de quem receberão mimos e ordens, regras e cuidados,
alegrias e tristezas). No plano privado, também parece que a idade das crianças
devolvidas parece inflacionar o choque e acicatar os ânimos de tantos casais à
espera de um bebé feito por outros mas destinado exactamente a estes pacientes
pais, e restante família e amigos, que, não tenhamos dúvidas (ou teremos?), os
recebem sempre de braços abertos. Como se as situações que despoletam o
conflito que leva à devolução não fossem tão ou mais traumatizantes em crianças
mais crescidas... E como se adoptar uma criança, mesmo quando ela nos sai de
dentro, fosse fácil, instintivo, óbvio e portador de uma constante felicidade
mútua.
Adopção é sinónimo de acolhimento e
aceitação, para além de ser um processo, também judicial, que se define pela
aceitação espontânea de alguém como filho, respeitando condições juridicamente
definidas. É quando o Estado se substitui à Natureza e faz nascer numa família
uma criança. Mas como o Estado não é a Natureza, a quem respeitamos iras e
fenómenos, caprichos e desastres, os processos têm de ser cuidadosos,
criteriosos, dependentes de uma ideia de culpa onde não deve haver lugar a
erros que, tantas vezes, aceitamos à Natureza, inclusive atribuindo-lhe uma
vontade divina e não lendo precipitadamente o erro como pena aplicada aos seres
humanos. Os contos e as lendas é que fazem bem esses curto-circuitos entre o
divino e o humano e a explicação mágica do imprevisto infeliz. (E parece-me, já
agora, que o tal Trump, nem no mês do Dia Mundial do Ambiente, se coibiu de
escrever o seu próprio conto de fadas e ignorar que há coisas da Natureza que
são mesmo responsabilidade do ser humano que, quer queiramos quer não, faz
parte dela... mas adiante.)
A devolução daquelas 40 crianças não tem só de
dizer mal de alguém ou de alguma instituição. É a prova de que nem todos estão
preparados para ser pais e isso assume-se. E até mesmo os que cumprem os
deveres exigidos para se ter direito a ser pai, biológica ou legalmente, o fazem
tantas vezes com erros. São os seus erros e as suas crianças, e só o crime ou o
Tempo poderão alterar essa condição. Devolver uma criança é assumir a incapacidade
ou o erro de se querer ser mãe ou pai. Quando se aguenta até à autonomia essa
obrigação, devolvemo-los, melhor ou pior, à sua própria Vida. Quando se tem um
filho porque sim, ou por descuido, ou por amor (a outro ou a si próprio), ou
por instinto hormonal, ou por tradição, ou por obrigação, em todos os casos, há
sempre um período de pré-adopção que é o prelúdio do que desejamos que seja uma
vida melhor. Quero acreditar que, quando o Estado recebe estas crianças
devolvidas, está só a evitar que tenham uma vida pior. Ainda pior.