O
termo “desafio” está estafado. Desafios eram, há uns anos, os de futebol. Antes
até, havia os que visavam duelos e de onde, com sorte, “só” um saía ferido.
Antes mesmo, havia-os em torneios a cavalo e lança, para provar valentias em simulações
de guerra, mas de interesse individual. Hoje, iniciar uma nova função também é
considerado por muitos um desafio. E o perigo, sobretudo quando são funções
públicas de responsabilidade, é que esse público em nome do qual tantas vezes
se diz aceitar o desafio, seja gravemente ferido pela incompetência que se
revela. E isto acontece pela inconsciência com que, muitas das vezes, ou as
pessoas autoavaliam as suas competências ou se rodeiam de falsos amigos que,
não sendo críticos, acabam por se tornar cúmplices da asneira. Enfim, o
resultado extremo é por vezes trágico e o impacto dramático, para quem lhe
sobrevive.
É
que um desafio não é uma missão, nem uma tarefa, nem uma obrigação. Uma missão é
um encargo, uma incumbência, um propósito, uma função específica, ou tarefa,
que se confere a alguém para fazer algo. É um compromisso, um dever, uma
obrigação a executar. Já um desafio resulta do acto de instigar alguém para que
realize alguma coisa, normalmente além das suas competências ou capacidades.
Como tal, aceitar um desafio parece ser muito mais uma prova de inconsciência
do que de valentia. E muito mais quando é o valor da Vida, nossa ou dos outros,
individual ou colectiva, que está em causa ou, para prosseguirmos no mesmo campo,
em jogo.
Pais
e educadores estão a braços com um fenómeno que toma o nome de Desafio da
Baleia Azul. Uma brincadeira de mau gosto, classificação que várias
brincadeiras tomam só quando ocorre uma tragédia e onde os avisos e as
cautelas, em vez de serem como “caldos de galinha”, são já só “sopas depois de
almoço”. E não, em meu entender, a culpa não é só de quem propõe a brincadeira
parva, mas de quem se sujeita a juntar-se a ela não distinguindo, mais do que
até é muito vulgar ver gente comum a confundir, a ficção com a realidade. E
não, a culpa também não é das tecnologias mas das pessoas e do uso que delas
fazem.
Já
no século XVIII houve um livro que parece ter causado uma onda de suicídio na
Europa, levando até, dizem, o seu autor a pedir que os leitores não seguissem o
herói da história. Os Sofrimentos do
Jovem Werther foi publicado por Goethe em 1774, quando este tinha 25 anos,
e pode considerar-se a obra como um dos marcos literários do início do Romantismo.
Tratando-se de um romance epistolar, o jovem Werther envia cartas poéticas para
o amigo Wilhelm em que conta os seus sentimentos sobre o amor que está a viver. Werther é um jovem
inteligente, que saiu da cidade grande para a província onde acaba por se
apaixonar pela filha de uma família nobre. A moça, Charlotte, também se
interessa por ele, mas está noiva e por isso só o trata como amigo, não
querendo mais conversas com Werther. Tudo isto leva o jovem Werther ao suicídio,
contagiando os leitores. A área da psicologia fala até do “efeito Werther” para
fenómenos de suicídio em massa. Está visto que, nos dias de hoje, o jovem
Werther terá sido destronado por uma Baleia Azul e, muito provavelmente, outros
desafios se lhe seguirão. É o que dá viver-se a vida de outros e não a nossa, o
que é uma coisa até bastante banal, mais desmascarável quando os termos de
comparação não estão lá, nem de perto nem de longe, para se poder sequer imitar.