Foi por pouco que deixei passar em branco a coincidência do
dia da minha crónica, a única das desta rubrica com voz feminina na Rádio
Diana, com o Dia Internacional da Mulher. Parece-me, apesar da desmemória
apanhada a tempo, um bom sinal para mim. Revela a minha sorte em não sentir,
pelo facto de ser mulher, nenhum tipo de discriminação. Revela que me dou com
pessoas que não acentuam esse facto como o meu maior traço distintivo de
identidade no meio social em que me movo. Ou, pelo menos, eu não dou por isso. Mas
há quem dê, e por isso vale a pena comemorar o dia.
Apesar da rotina pessoal quase fazer-me esquecê-lo, é tão
mais importante esta celebração internacional quanto, também fruto da sociedade
de informação em que vivemos, continuam a chegar-nos factos em notícias sobre
discriminação e abuso que, não podemos ignorá-lo, em nada fazem jus à evolução
civilizacional que vivemos e a que chegámos. E é aqui que também percebemos que,
paralelamente às diversas etapas das conquistas técnico-científicas pela
Humanidade, o relacionamento humano, na intimidade e em sociedade, corre numa
linha mais lenta. O papel que muitas e muitos tiveram no passado, deve
servir-nos de exemplo e requer a homenagem deste dia. É de olhos postos neles
que teremos de corrigir o caminho, apressando-o, para que essas duas linhas se
encontrem em etapas mais evoluídas do futuro da Humanidade.
Ao afirmar que «A mulher escolhe sempre o homem que a escolhe
a ela, como é da sabedoria das nações. A verdade também.», Vergílio Ferreira,
com uma piscadela de olho à expressão de Simone de Beauvoir, parece apontar uma
reciprocidade que esconde tantas vezes a diferença, ou melhor, o castigo da
diferença. Beauvoir, mulher de Sartre, num livro cujo título inclui esta
expressão da “sabedoria das nações”, desmonta sentenças que continuamos a ouvir
ainda da boca de homens e mulheres e que mostram como a consolação da mentira e
da resignação, ditas com tons de sabedoria, em nada contribuem para a grandeza
da Humanidade. São expressões como "O homem procura sempre o seu próprio
interesse", "A natureza humana nunca mudará" ou "Ninguém dá nada a ninguém" e
"Enquanto se é novo, é tudo muito bonito"… Lugares comuns como dados
adquiridos, que exprimem uma visão do mundo incoerente e cínica e que devemos
combater, segundo os Existencialistas.
É que a confiança no Homem não pode deixar-se derrotar pelo
senso-comum, já que o rumo da Humanidade está nas suas próprias mãos. E é por
isso que o que está mal nas ainda demasiadas situações de discriminação de
algumas mulheres, às vezes comunidades inteiras, é assunto de mulheres e homens,
é assunto da saúde da Humanidade.