As palavras e os conceitos também são como o tamanho das
saias e a largura das calças, e até os mais universais assumem, como o estilo
clássico, variantes e ocorrências que parecem tendências do pronto-a-vestir. Confesso
que acho o facto divertido (não valia a pena entristecer-me, o que até podia
acontecer) e mesmo muito estimulante no jogo das interpretações de que alguns
conhecem as regras. Duas dessas palavras que tenho ouvido muito, e estão ao que
deduzo na moda, são humildade e orgulho. Às vezes até sentidas por, ou pelo
menos a designar sentimentos de, uma mesma e só pessoa. Todavia elas são, na
sua definição mais básica, profundamente contraditórias, mesmo se a humildade
for uma obrigação óbvia perante algo realmente maior, ou se o orgulho nascer à
boleia de uma simpatia convencional. Das duas, uma, e numa situação simples e
sem rodeios: ou esvaziamos de humildade ou inchamos de orgulho. Parecia-me
haver aqui motivo de reflexão, o que lá fui fazendo.
À distância de um clique, podemos encontrar várias definições
para os dois conceitos. Sem evidentes controvérsias, uma definição de humildade
pode ser a da “qualidade de quem age com simplicidade, uma característica das
pessoas que sabem assumir as suas responsabilidades, sem arrogância,
prepotência ou soberba. (…) uma qualidade bastante positiva e benéfica, onde
ninguém é pior ou melhor do que os outros(…). (…) um sentimento de extrema
importância, porque faz a pessoa reconhecer as suas próprias limitações, com
modéstia e ausência de orgulho.” Já orgulho, de que aliás se sugere logo a
seguir a consulta, surge como “um termo pejorativo quando se refere a um
sentimento excessivo de contentamento que uma pessoa tem a respeito de si
mesma, de acordo com as suas características, qualidades e ações” e, quando “se
refere à dignidade de uma pessoa ou ao sentimento positivo em relação a outro
indivíduo, o orgulho é um sentimento positivo.” Posto isto, dizermos que somos
humildes é sermos orgulhosos num mau sentido. Termos orgulho em alguém é sermos
humildes perante essa pessoa, reconhecendo-lhe talvez até um valor superior ao
seu, mas por fruto da nossa própria avaliação. Não é simples, nem tinha de ser.
Dá que pensar, que é o que se deve fazer antes de falar em determinadas
situações, nomeadamente em público.
O Vergílio Ferreira dizia que «Há muita gente que é um poço
de orgulho. Só não tem águas para o alimentar.» Presumindo que aqui se possa
até espelhar o orgulho noutrem (eu sei, eu sei que o tiro seria mais certeiro e
mordaz, mas adiante) subsiste o perigo deste orgulho bom se transformar em menos
bom por menos altruísta. Numa situação, por exemplo, em que a pessoa que se
orgulha se mistura com os feitos do outro, como se ela mesma fosse o outro,
enchendo o seu poço com águas alheias, portanto. Mas enfim, diz quem sabe, que é
quem estuda personalidades e comportamentos, que estes casos são raros pelo que
devemos, às tantas, ficar tão só e humildemente contentes e agradecidos quando
alguém fica orgulhoso com o que fazemos, sobretudo quando os envolvemos no
motivo desse orgulho.
Nada do que aqui fica dito, provavelmente, mudará
hábitos de expressão que, tantas vezes, adquirimos sem pensar muito neles. Mas
como se costuma dizer que o diabo está nos detalhes, o alerta pode vir a ter a
sua utilidade.