Por muito que a vida dos cidadãos prossiga no dia-a-dia para
além das incertezas de quem nos governará, a atual situação deve ainda assim
deixar pelo menos expectante muita gente, a avaliar pelos desabafos de com quem
me vou cruzando tenho ouvido. No fundo, presumo que, independentemente da
margem em que se esteja do rio, mais ou menos a ver passar quem por lá navega,
a esperança é que o rio tenha água e que quem dele cuida, porque dele
dependemos, o faça da melhor forma. Às vezes sem muita fé, sobretudo na
sequência de uma autoinfligida crise de confiança que alguns dos próprios
candidatos a governantes atravessam arrastando todos os outros, justa ou
injustamente. Só de facto não está submetido ao duro escrutínio de estar no
poder quem lá não esteja, e às vezes nem queira estar. Ficar nas margens a ver
passar quem governa a corrente é sempre o lugar mais resguardado, quer seja
vivenciado com maior ou menor inquietude, atividade, empenho ou indiferença. É
que, por muito pouco respeitada que esteja a política pelo cidadão comum as
suas vidas dependem muito mais dela do que os indiferentes possam talvez
suspeitar…
Quem está por isso mais atento por ter atividade,
profissional ou de intervenção ativa, que dependa dos atores e ações dos
governantes, deita-se a tentar adivinhar o futuro projetando cenários que, até
no “pim-pam-pum” da escolha aparentemente aleatória, são previsíveis. Se na
rima lúdica de escolha a contagem das sílabas métricas pode fazer recair sobre
um outro escolhido, mais à frente ou atrás na roda, quando se conhece o
percurso dos atores que ditarão o futuro do Governo de Portugal talvez seja
mais certa a previsão sem certezas antecipadas. O que me parece por demais
ridícula é a atitude de quem olha este futuro, nesta área, mais do que colocando
hipóteses, que tenho ouvido bem colocadas por gente das duas margens,
irrompendo em histerias que vão até mais longe e mais alto do que muitos soundbites lançados por quem deles vive, quais claques de
uma regata em que parece só ser possível que ganhe aquele que, por se terem
afundado os restantes concorrentes, chega à meta em primeiro.
Bem sei que muitos esquecerão, metidos no mesmo
baú trancado e selado, os disparates cuspidos ou as afirmações convictas que
antes da corrida chegar ao fim se foram dizendo em público. E é pena. Mas é
também humano. É a memória seletiva com que contamos mesmo no interessante
exercício intelectual de juntar factos, dados e conjeturar. Pode parecer
trabalho a mais para valer, quanto mais não seja, um voto numa urna em dia de
eleições, mas olhem que acabará por contar para decidir quem nos governa. O
Vergílio Ferreira escreveu que Tentar provar o futuro é
muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar,
mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.
E eu concordo.