O ambiente político anda no
mínimo interessante em Portugal. Há uma espécie de comemoração de
acontecimentos de há pouco mais de uma geração atrás, com alguns protagonistas
que não sendo propriamente novos não poderão, à exceção talvez de Jerónimo de
Sousa, argumentar, como há 40 anos, estarem ainda a sentir na pele o quase
meio-século de um regime totalitário fascista. De facto, os principais atores
políticos do momento queixar-se-ão ou dos últimos austeros 4, ou dos
democráticos 40 em que não estiveram no governo. Aparentemente, o que resultou
das eleições de 4 de outubro poderia dar oportunidade a partidos que nunca
estiveram no poder central para exercer ministérios e assumir essa outra
responsabilidade na Política que é governar. Parece que assim não será e, num remix inédito, muito se discutiu, acordou, concordou para se
manter a alternância que tantos dos que a permitem agora vilipendiaram.
Parece também que este
governo de um partido, que alguns considerariam há 4 anos atrás tão de direita
como o que será derrubado no Parlamento, volveu à esquerda. Se não o fez já ou
fará logo que empossado, terá então de inaugurar-se em Portugal todo um novo
léxico para designar os lugares ideológicos. É que ficam, os mais distraídos
destes assuntos e que é bom de ver serão a maioria dos Portugueses, um pouco
baralhados e com falta de uma mediana como termo de referência. A alguém
servirá, num futuro que me atrevo a palpitar não muito distante, esta mudança
para parte incerta dos jeitosos conceitos da esquerda e da direita no mundo dos
Partidos.
O “meu” autor que viveu com
60 anos o 25 de abril teve à época alguns dissabores por não se ter querido
encaixar militando em partidos que, pasme-se, detinham efetivamente por aqueles
anos o monopólio da edição de livros e da instituição cultural que é a crítica
literária. Talvez por isso, num dos seus últimos livros que intitulou Pensar, ouvimos Vergílio Ferreira a refletir sobre estes
lugares medidos a partir de um eixo que nos querem fazer imaginar, dizendo: Os políticos que se dizem de esquerda, por ser o bom sítio de se ser
político, estão sempre a afirmar que são de esquerda, não vá a gente
esquecer-se ou julgar que mudaram de poiso. Mas dito isso, não é preciso ter de
explicar de que sítio são os actos que a necessidade política os vai obrigando
a praticar. Como os de direita, aliás, que é um lugar mais espinhoso. O que
importa é dizerem onde instalaram a sua reputação, na ideia de que o nome é que
dá a realidade às coisas. E se antes disso nos explicassem o que é isso de ser
de esquerda ou de direita? Nós trabalhamos com papéis que não sabemos se têm
cobertura, como no faz-de-conta infantil. Mas o que é curioso é que o comércio
político funciona à mesma com os cheques sem cobertura.
Ser-se de esquerda ou de direita não é o mesmo
que se ser canhoto ou destro. Nem mesmo já numa época em que não se contraria
esse jeito de segurar as coisas com as mãos. Mais do que nunca, e apesar da
dificuldade que é definir outros nomes abstratos mas que nos tocam o dia-a-dia,
é preciso saber-se como se atua não à direita, nem à esquerda, mas norteados
pelo sentido de justiça, com coragem, sabedoria e moderação. Soa a virtudes cardinais
a uma distância platónica? Pois soa, mas ninguém disse que era fácil.