A chacina voltou ao lugar
que lhe é estranho: a cidade contemporânea da civilização ocidental. E foi também
isso, naturalmente, que consternou talvez mais de meio mundo. Não quero com
isto dizer que haja outros lugares onde a chacina não seja condenável. Ou
outros tempos em que, por serem Passado, se tentam (e como tentam) que se
perdoe. Quero hoje apenas sublinhar um facto que facilmente comprovo na minha
condição de cidadã portuguesa, a viver na Europa, ligada por interesses próprios
e profissionais a outras culturas tão ocidentais como a minha. É daqui o meu
posto de vigia. É daqui que consigo sentir melhor os que estão em condições
semelhantes à minha. Em Paris podia ter sido eu. Em Beirute, nem por isso. E a
mão que matou foi a mesma, o que acontece é que não está nos meus planos, de
momento, ter Beirute como destino.
Os que nasceram em
civilizações que parecem ter no seu ADN um gene beligerante também têm direito, um dia, um ano, um século destes, a fartar-se. Cansados da guerra que, como
cidadãos comuns que ali nasceram, não conseguem interromper porque a guerra se
institucionalizou. Porque ainda não houve força suficiente por parte de alguns
que arrastam muitos para se mudar o rumo. Talvez porque os métodos são os
mesmos e, naturalmente, se declarar guerra à guerra. Talvez. E partem para
outros lugares, os mais próximos daquele que considero o meu lugar.
O sentido inverso também
acontece. E há os que nasceram no mesmo cenário que eu e que partem para lá.
Vão aprender a matar e a morrer em nome de algo que lhes é apresentado como
maior do que o que tiveram à nascença. O que falha nisto tudo? O ser humano,
bem entendido. E aqueles que tão seres humanos como os outros se disponibilizam
e entregam a governar em nome dos outros. Solução difícil e não à vista.
Se a dor da morte dos que
estão mais perto de nós se imagina igual à dor dos outros mais longe o que
falta é que o acesso a esse valor da Vida também se globalize. Como no campo do
dinheiro e dos negócios, a Coca-Cola ou a Pepsi, a Nike ou a Adidas, a Apple ou
a Microsoft. Palpita-me que seja o Amor, a resposta. Mas o Ódio anda-lhe tão
próximo…
O Beatle
John Lennon pediu-nos para imaginar, cantando a Esperança. O meu Autor,
protagonista desta série de crónicas , escreveu-o assim com um pensamento que
partilho (e que por vezes, tantas e demais, descamba para o pessimismo cínico):
Imaginemos que toda a gente tinha a mesma política,
religião, etc. Nem por isso se viveria mais em paz. Porque logo se descobririam
diferenças naquilo que a todos unia. E paralelamente surgiriam as
discordâncias, invejas e ódios subsequentes. Porque não é a ideologia que no
fim de contas divide. A ideologia é apenas um bom pretexto. O que nos divide é
a importância da nossa pessoa e o grupo extensivo a que nos recolhemos. O que
nos divide é a individualidade que não tem misturas ou só as tem com quem
prolongar a pessoa que somos. (Vergilio Ferreira)