Vou
falar-vos de leitura. Lembrei-me para tal de uma publicação mundialmente
famosa, e lembrei-a mais até pelo título e pelo jogo de palavras que me
permitia depois de ter assistido a uma seleta sessão de leitura. Falo da Readers’Digest, mais conhecida pela
versão brasileira de Seleções.
A revistinha
começou a ser publicada em 1922, quando o seu fundador, DeWitt Wallace, se
recuperou dos ferimentos da Guerra. Durante a convalescença, este americano
teve a ideia de editar uma publicação que fosse uma seleção dos melhores e mais
úteis artigos dispersos já editados. A intenção era educar e estimular a
leitura, com assuntos leves e informativos. Um dos objetivos na América do Sul
e alguns países europeus como Portugal e Espanha, pois acabou por ser traduzida
para 35 línguas e distribuída em 120 países, foi difundir a literatura
norte-americana. Inclui até hoje, e apesar das enormes dificuldades pela
provável concorrência da Internet, temas de saúde, anedotas, curiosidades,
biografias diversas. Uma das secções da revista é o Livro do Mês que traz de
forma condensada um livro atual, um estímulo à leitura de diversos géneros da
literatura contemporânea.
Entre as
elites intelectuais, ou que assim se batizam, ler as Seleções sempre foi sinónimo de superficialidade e pouco
investimento no Conhecimento a sério, esquecendo muitas vezes nesta questão
pelo menos dois pontos importantes: o primeiro é de que quem lia as Seleções adquiria o hábito de leitura
semelhante à dos que a praticam com periódicos; segundo, que nem todo o cidadão
almeja ser especialista numa determinada área do Conhecimento, mas que mostrar
interesse pelo que se vai passando nesse controverso e sempre mutável mundo da
Ciência, em qualquer dos seus ramos, pode querer ser acompanhado por leigos no
assunto. Quem lia, e talvez ainda leia, as Seleções,
ainda que o faça em modo de leitor fervoroso e incondicional, não será à
partida um especialista em coisa nenhuma se por ali se ficar. Mas ficará
seguramente muito mais desperto para o Conhecimento do que quem não o faça, nem
ficará distante de quem leve os dias a ouvir e a ver alguns programas que nos
chegam através da televisão. Resumindo: as Seleções
são, de uma forma intelectualmente honesta, uma revista de divulgação
generalista, tal como alguns canais da TV por cabo. Não confere grau de nada,
mas apouca-la também não engrandece quem o faz, muito embora muitas vezes o que
se apouque é quem acha que, por ter lido as Seleções,
é especialista em generalidades. Mas disso há muito em todo o lado, e em todos
os níveis, e sem nunca terem pegado na Readers
Digest.
Ora, neste sábado que
passou, assisti na Fundação Calouste Gulbenkian a um extraordinário espetáculo
de leitura de literatura em voz alta. Não era uma peça de teatro e, no entanto,
havia uma encenação cuidada. Não foi um espetáculo de amadores, no sentido de
que aquilo que se faz seja uma atividade secundária aos restantes afazeres,
porque os intérpretes tinham a leitura e os textos como uma prática e elementos
obrigatórios na sua vida. As leitoras e leitores que ali estiveram, durante 45
minutos, tinham entre 13 e 17 anos e eram os 10 finalistas de um concurso
promovido por aquela Fundação intitulado «Dá Voz à Letra». Foi de facto uma
distinta “seleção de leitores” que ali tivemos, com uma seleção de textos que
também nós, os espectadores, podíamos seguir, lendo. Tudo muito bem feito, do
princípio ao fim. E aqueles miúdos deram uma lição sobre como a leitura é a
primeira interpretação que fazemos de um texto, e de como quando essa leitura é
em voz alta se revela logo, a quem ouve, qual a interpretação feita desse texto
lido. E como isto é de uma importância muito maior do que se imagina. Pensem
nisso!