A propósito da que classifico eufemisticamente como incauta
afirmação da Sra. Ministra da Justiça, «Falo ao telefone como se fosse para um
gravador», lembrei-me da palavra “Alô”.
É uma expressão, ou melhor uma interjeição, que alguns usam mais por
contaminação do intermediário português do Brasil do que por apropriação do
idioma que lhe deu origem. Sendo um aportuguesamento do «Hello!» inglês, se o usamos é para substituir o «Está sim!» ou
«Está lá!» ou o só «Estou!», quando respondemos a um telefonema. Mas “alô” no
português do Brasil também muda frequentemente de interjeição para substantivo
e utiliza-se como sinónimo de aviso ou chamada de atenção para determinado
assunto. Como na frase, por exemplo: «Dê um alô à turma sobre a mudança do
horário.»
Será que a conversa que a Sra. Ministra fez foi um aviso aos
portugueses que ainda acreditam que vivem num Estado de Direito? Será que, com
os avanços tecnológicos, esta vigilância sobre o cidadão comum é uma realidade
mais próxima e não apenas um discurso de afirmação de poder déspota, ou até só
ficção científica? Será que a Sra. Ministra sabe que quem tem a autoridade para
andar a escutar o que dizemos ao telefone a está a exercer sobre qualquer
cidadão insuspeito como o devia ser, já agora, uma Ministra da Justiça?
Por outro lado, Alô!
é bem mais teatral do que o «Estou!», convenhamos. Mais apropriado então para
quem suspeite que está a ser ouvido por um público mais vasto do que o
interlocutor do outro lado da linha. Terá sido a afirmação da Sra. Ministra uma
cena intencionalmente cómica? Assim a evocar, sei lá, o «Alô! Alô!», essa
magnífica comédia britânica de televisão transmitida na BBC durante 10 anos, a
partir de 1982. Contava a história do René, dono de um café francês, durante a
Segunda Guerra Mundial, numa vila ocupada por alemães que tinham roubado todas
as obras de arte da vila. De entre o roubo incluía-se uma pintura - a The Fallen Madonna (with the big boobies)
de van Klomp. O comandante alemão destacado na vila decide guardar as pinturas
para si próprio, de forma a garantir a sua reformazinha após a guerra, e
consegue que René os esconda no café. A Gestapo também quer encontrar o
paradeiro das pinturas e envia o inesquecível Herr Flick, para as procurar. Ao
mesmo tempo, René está a esconder no café corajosos pilotos britânicos, pois é
forçado a trabalhar com a Resistência, ou seria assassinado por servir os
alemães. Os planos da Resistência para enviar os pilotos de volta para a
Inglaterra, que falham sempre, são o centro de atenções de todos os episódios. O
objetivo da série não era fazer piadas sobre a guerra, mas sim sobre os filmes
baseados na guerra, tendo acabado por fazer piadas sobre muitas mais situações.
Desta série ficou-me uma expressão usada muitas vezes, contrariando-se ao
próprio conteúdo da frase que dizia que só iria dizer o que seria dito uma
única vez: «Listen very carefully, I shall say this only once!». A Sra. Ministra
poderia estar a usar a mesma técnica de comédia. Sabe-se lá…
Talvez mais do que incauta a Sra. Ministra tenha sido
histriónica. Essa característica que até apreciamos, eu cá aprecio, nos
artistas, mas dispenso nos políticos que nos governam os destinos e têm
obrigação de ser sérios quando falam. Era bom que a Sra. Ministra percebesse
que cada vez que fala para o microfone de um ou uma jornalista está mesmo a
falar para um gravador e todos podemos ouvir.